spoiler visualizarMárcia 24/01/2023
Identidade
A escolha do livro se deu a partir de uma apresentação de artigo no ABRALIC, em julho/2019, durante um simpósio de literatura. Fiquei encantada com a ideia proposta pelo autor e pelos múltiplos diálogos presentes no texto. A adaptação à leitura não foi rápida, apenas no IV capítulo entendi que seria mais fácil ler o texto e só depois ler as anotações das margens.
A história central se passa em torno de um protagonista sem memória que é capturado e levado para um navio, lá começa toda a trama do então “?S”? para encontrar/saber sua identidade. O mais intrigante é que nós, leitores, imaginamos que o desenrolar da história será a descoberta da identidade de “?S?, mas não, “?S? reconstrói a sua vida e história a partir dos fatos e acontecimentos que lhe parecem verdade. O enredo gira em torno da construção de uma história para “?S”?, de seus valores e significados.
?S”? é bastante sensitivo, o que me encantou na narrativa. Ele vê o ato de escrever como a escrita dos fatos que irão desencadear. O realismo fantástico se mistura a ficção quando “Sola” - alguém que “?S”? não sabe se faz parte do seu passado, mas que nutre um sentimento amoroso bastante forte - entra as margens dos seus escritos para orientá-lo e muitas vezes preencher o vazio da sua existência. Ele precisa dela, mesmo que de forma irreal, ele precisa fantasiar esse romance para viver... E é isso que muitas vezes fazemos, buscamos nutrir nossos desejos e anseios em pessoas, personagens, muitas vezes criados ou fantasiados por nós mesmos. A fantasia nos faz querer viver, pois a vida sem tais expectativas não teria sentido.
Quando, de fato, “?S”? encontra Sola, não há beijos e nem demonstrações explicitas de carinho. Ela o compreende e é como se ela sempre estivesse ali com ele.
E ali estão eles: artista e musa, assassino e cúmplice, dois corpos chegando a meia idade e além e – principalmente -, dois indivíduos engolindo suas incertezas, se erguendo e encarando um ao outro (...) (Straka, p. 423).
?S? de mocinho se torna um assassino, mas não nos deixa totalmente enfurecidos, pois ele parece lutar por uma causa justa, que é contra um fabricante de armas bélicas.
No outro diálogo, nas margens do livro, temos dois personagens, Jen e Eric, ambos estudantes de literatura, Jen, graduanda, e Eric, mestrando. Nas linhas que seguem a história muitas vezes me vi ainda estudante, “enlouquecendo” com tanta pressão familiar e universitária.
Eles vivem um romance particular, inicialmente se conhecendo apenas nas páginas do livro, buscam saber quem é o autor fictício do livro. Quem é Straka? Nessa busca eles enxergam um romance entre a tradutora, F. X. Caldeira e V. M. Straka. Um romance não consumado, mas percebido nas entrelinhas em vários momentos da narrativa central.
No final da história das margens, Jen e Eric ficam juntos e parecem felizes, um final merecido para os dois; Já no texto central, há um final não muito emocionante, pois não deixa claro se os personagens ?S? e “Sola” morreram ou se mataram Vévoda (dono das fábricas de material bélico), apenas descreve as intuições de “?S?. “
A história é em si algo frágil e efêmero, algo facilmente apagado, desaparecido ou destruído, e merece ser preservada. E se não pode ser preservada, então deve ser libertada e reciclada.” (Straka, p. 451).