Etiene ~ @antologiapessoal 12/04/2020
Os tártaros não vieram.
Eu decidi ler esse livro pelo título. Há títulos que me compelem, e este é um deles. A sonoridade, a sugestão de mistério, de perigo... Na obra mais famosa de Dino Buzzati, encontramos a história de Giovanni Drogo: um soldado, designado ao serviço num forte distante, que alimenta incansavelmente o sonho de um destino militar glorioso, a combater inimigos, aqui chamados de tártaros.
Acredito que escutar histórias despertam os mais diferentes sentimentos em nós. Ler O deserto dos tártaros provocou em mim sentimentos estranhíssimos. O protagonista me desafiava a cada página. Senti uma raiva absoluta; uma revolta extrema frente ao comodismo, à ilusão alimentada por tantos anos, à esperança sem causa; me senti solidária ao Drogo, à seus sonhos e seu caráter obstinado; busquei entender as motivações de sua vida, e quem sabe inclusive reconhecer as minhas próprias nas dele.
De leitura inquietante, senti como se necessitasse de dar conselhos ao Drogo a todo momento: o homem deve projetar seus sonhos mas, definitivamente, apenas as projeções não nos podem governar. Giovanni parece enfeitiçado - ou amaldiçoado? - com a visão do horizonte ao chegar no sombrio local, com a visão do que estar-por-vir em sua existência, e, inerte, se entrega à passagem do tempo de modo injustificado. Para mim, o forte Bastiani é a personificação do nosso coração, da nossa mente e suas engrenagens: muitas vezes nos fechamos ali e nada nos tira.
O término do livro é profundamente triste, de uma injustiça chocante, eu diria. Não quero escrever demais aqui e acabar entregando a obra, mas precisei de dias para conseguir aceitar este fim. Pensando bem, será que o aceitei? E os tártaros não vieram. Após uma vida de espera por um inimigo que nunca chega, a esperança morre no pedestal do desfiladeiro. Drogo sonhou com mil passados e não viveu nenhum futuro. Eu pergunto: o que, como os tártaros, não veio pra você?
"Parecia ontem, entretanto o tempo se consumira com seu ritmo imóvel, idêntico para todos os homens, nem mais lento para quem é feliz nem mais veloz para os desventurados."