Maicon283 09/04/2024
Por de trás da máscara - o final
O último volume de Homunculus é inacreditável e totalmente fora do esperado.
Automaticamente ao terminar, precisei ler resenhas e opiniões para ver se as impressões das pessoas batiam com o que eu tinha acabado de ler, e também até se eu entendi tudo o que foi mostrado. Muitas opiniões adversas e outras esclarecedoras também.
Mas falando por partes, Nakoshi reencontra Nanako, e dessa vez, toda a verdade sobre o passado de ambos é apresentada.
O Homunculus de rosto misterioso que apareceu no "vazio" do rosto homunculi de Nanako, era o próprio rosto do Nakoshi do passado.
Essa frase parece confuso, mas esse é rosto misterioso de Nakoshi que finalmente é revelado para nós: é um rosto fora dos "padrões", ou resumindo, um rosto feio, com olhos caídos, uma verruga no nariz de batata, dentes tortos (com aparência de podres), isso nas próprias palavras deles.
Nanako também tem seu antigo rosto feio revelado, e a sua retratação no mangá é quase monstruosa.
Nanako foi a única que acolheu Nakoshi quando este se sentia sem abrigo de ninguém, mas isso não foi suficiente para ele, que acabou fazendo uma cirurgia que mudou todo o seu rosto e a assim, a abandonou.
O que não sabíamos, é que Nakoshi também abandonou um filho (fruto de sua relação com Nanako).
Apesar de reconhecer que não queria ter um descendente feio e passear com uma namorada feia por aí (com uma franqueza desconcertante - que o mangá sempre teve), Nakoshi mais uma vez reflete sobre essa tortuosa busca pelas aparências e aceitação das pessoas, e também diz a Nanako que ela será a pessoa para quem ele iria "olhar" tão somente a partir daquele momento.
Parecia que a obsessão que era a busca de Nakoshi pela pessoa que o "vê" verdadeiramente tinha chegado ao fim... até que um dos amantes de Nanako, integrante da Yakuza, aparece.
Nesse momento, essa aparente paranoia de Nakoshi é posta em dúvida mais uma vez, pois, num ato surreal, ele "desarma" o Yakuza (assim como fez nos primeiros volumes) a ponto de fazê-lo abaixar a arma e chorar, tudo através de sua visão homunculi.
Apesar disso, parece que a partir daqui, Nakoshi perdeu mesmo o contato com a realidade, estando tão única e exclusivamente obcecado em ter Nanako como a pessoa que iria "vê-lo".
É difícil dizer que tipo satisfação Nakoshi buscava com isso. Seria o entendimento completo do que era ele como indivíduo? Ou como ser humano?
Os sentimentos com as cenas a seguir são os mais diversos para quem lê esse volume: confusão, bizarrice, aflição...
Nakoshi repete a agoniante cena de trepanação, mas agora em Nanako, que aparentemente perde a visão no processo... mas é algo que não se pode ter certeza (só o autor mesmo pode confirmar).
A tese de que Nakoshi enlouqueceu na ideia de que alguém o "visse" verdadeiramente vêm através de bizarra cena de sexo, explícita e detalhada entre Nakoshi e Nanako, onde Nakoshi enxerga ele transando consigo próprio...(ou melhor explicando o seu rosto no corpo de Nanako... )
Mais que apenas sexo, Nakoshi parece ter feito algum tipo de "simbiose" dele com ele mesmo, e talvez, esse era o sentimento que ele tanto buscava - seja lá o que isso possa significar.
"Se ver em todos" é uma forma de viver que deveria ser de todo ser humano e Nakoshi despertou esse sentido ou ele "apenas" enlouqueceu mesmo?
São questionamentos que o 15° volume de Homunculus deixa no ar.
O que não necessariamente pode ser os mesmos questionamentos para outra pessoa que ler.
Mais uma vez eu puxo o coro que chama Hideo Yamamoto de genial. Se vê que ele tinha a série idealizada desde o início. E de tão difícil, sofreu muito pra ser publicado aqui (imagino o sofrimento de quem esperou anos pra esse volume sair?)
E ainda é aquele tipo de mangá que você lê numa sentada só como poucos.
Ao finalizar, com o turbilhão de sentimentos, me peguei perguntando: qual foi o fim que levou o filho de Nanako e Nakoshi?
Nanako morreu e é por isso que há um carro de polícia para levá-lo na cena final, (aparentemente trazida por Ito)?
Perguntas que só não são maiores que as reflexões que podemos fazer de toda a jornada de Nakoshi e a sua busca pela aceitação em uma sociedade e entendimento do que é um ser humano, que cresce e vai sendo 'moldado' pelo entorno que o cerca.
Podemos dizer que Nakoshi é um exemplo desprezível de pessoa egoísta. Mas eu diria que ele é um exemplo perfeito de um ser humano vivendo em sociedade.
E todas suas falhas podem ser difíceis de aximilar para algumas pessoas, de tão verossímeis e reconhecíveis que são.
Yamamoto não poupou ninguém, nem seu personagem Nakoshi das críticas e julgamentos e nem nós mesmos, de nos criticar e reconhecer através dele.
Estamos todos impostos a padrões, sejam eles de beleza, sejam eles de status. Quem diz que não, ou é ingênuo ou não é capaz de descer de seu pedestal de privilégios.
A terceira figura mais presente na série, além de Nakoshi e Ito, é o prédio luxuoso que aparece transfigurado como um personagem silencioso (na direção oposta ao do parque dos mendigos).
Sempre brilhante, ele demonstra o mundo que Nakoshi tentou fazer parte, e que se manteve a serie inteira inabalável. Quem se modificou foi apenas ele, o Nakoshi.
Essa história fala, entre outras coisas, de alguém que fez de tudo para pertencer, foi ao extremo.
Curou e destruiu. Se destruiu. E o prédio luxuoso e brilhante, permaneceu de pé.