Iara Caroline 25/04/2024
Há que se considerar.
Reinações de Narizinho, assim como toda a coletânea do Sítio do Picapau Amarelo, constitue um valor enorme para a literatura infanto-juvenil, especificamente a brasileira. Já observamos toda a riqueza e a importância de "Alice no País das Maravilhas" e repetimos a dose nessa obra que inaugura a literatura voltada ao público infatil de Monteiro Lobato. Em sua constituição pode se observar todos aqueles pilares que constroem a essencial literatura infatil, sendo ela em essência "o livro que agrada à criança". A linguagem, a caracterização dos fatos, os personagens e a lógica convêm perfeitamente ao ideal, e ainda arriscaria dizer que muito mais que a própria obra de Carroll. O uso do "nonsense" parte de uma articulação perfeita da psicologia infantil, na qual tudo é simples, óbvio e divertido. A figura da criança é de toda valorizada por sua ingenuídade característica e por sua causa mais importante: a infância. Narizinho é infantil e fantasiosa, mas em momento algum observa-se a inferiorização desse fato. Assim como o inglês, Lobato trata a infância pela própria infância e, apesar dos momentos mais reflexivos da pequena garota e sua boneca, em momento algum carrega a "histórinha" de moralidade. Pelo contrário, o truque do autor está em algo mais valioso: observamos a enorme presença da introdução à fauna, à flora e ao folclore brasileiro, tendo em vista que são esses que irão constituir a paisagem e os personagens das aventuras no sítio. Narizinho tem toda a liberdade de interagir com o lúdico e até ironiza o fato de que a avó e a tia não acreditam nas suas peripécias.
Essa observação parte de um recorte que analisa a obra pela sua contribuição na construção da figura social da criança e da literatura voltada a ela. As obras infantis de Monteiro Lobato pertencem ao cânone brasileiro e fizeram parte da infância de boa parte da população desde a sua popularização. A obra foi usada como material didático por muitos anos e ainda o é hoje, como pude observar. Posto que meu principal objetivo é a didática de minha dsciplina acadêmica e para isso serviu a leitura, delimito as fronteiras e as convergências que nos levam a um assunto inevitavelmente importante.
A permanente questão dos valores humanos: o racismo de Monteiro Lobato e a canonização de sua obra infantil.
Desse assunto surgem perspectivas diversas, às quais, exceto as que inocetam o autor da sua repugnante posição racista, podem e devem ser devidamente discutidas. Quando se trata do estudo literário por parte da acadêmia (os estudantes) a discussão é longa e converge na exemplificação dessas obras como figuras de seu tempo: elas são a cristalização do que fora a sociedade e a construção literária em tempos anteriores ao nosso. Nós estudantes devemos abordar certas perspectivas que considerem a obra como pertencente ao seu contexto, mas que, no entanto, dialoguem com nossos valores contemporâneos. Paralelamente, surgem considerações tão importantes quanto: a manutenção das obras infantis como materiais pertencentes a infância. Se por um lado há toda uma riqueza nas aventuras do Sítio do Picapau Amarelo, por outro é impossível de se ignorar o reflexo do caráter do autor. Por mais que surjam defesas e justificações, é inquestionável que certas estruturações e, principalmente, o linguajar que se faz presente ao longo das histórias são não só desnecessários, como também desmoralizadores (especialmente dentro de um ambiente estudantil). Surge disso sugestões de adaptações, de notas didáticas e de abordagens contextualizadoras em sala de aula. Também há certo questionamento acerca da permanência desse cânone que sugere, ainda, a consequente valorização de possíveis novos autores dentro dessa literatura. São todas essas incitações válidas de estudo e discussão que irão além da minha leitura imediata.