R...... 13/02/2017
O primeiro livro do Sítio do Picapau Amarelo (1931)
Esse ano quero reler a coleção, preferencialmente em ordem cronológica. Tenho todos os volumes e li há muito tempo. Exceto um, que guardei para reencontro e deleite futuro. Na minha cabeça é como se fosse um doce para mais tarde. Pois bem, desse ano não passa. Para quem tem o "Sítio" marcado na infância, essa maratona é uma de minhas melhores metas em 2017.
"Reinações de Narizinho" reúne as primeiras histórias e mostra um caminho em construção. A obra tem momentos surreais que inicialmente eram tratados como um sonho (é o que acontece em relação à primeira viagem ao reino das Águas Claras e ao das abelhas, que me parecem os primeiros textos da série), mas o autor vai trazendo as histórias para o mundo real da menina a partir daí. Ainda bem que começou a ter outra percepção, pois isso engessava as possibilidades.
As histórias tem essa caracterização, de trazer a fantasia para o mundo da criança, buscando inspirações na literatura, cinema e contexto de época em uma cativante mistureba. Lobato construía um universo infantil genuinamente brasileiro quando percebeu a falta.
Vou registrar algumas coisas nesse processo, ainda que bobas:
- Narizinho era chamada por seu nome nos primeiros textos (Lúcia), tem 7 anos e o nome que a consagrou tem correlação também com a personalidade forte em não aturar desaforo, principalmente quando em relação a quem gosta.
- Pedrinho tem 10 anos, é filho de Antonica e tem no Sítio a vivência de uma liberdade que não encontrava na cidade.
- Dona Benta é desde o início celebrada por sua sabedoria, principalmente como contadora de histórias, coisa que o Lobato procura incentivar para as crianças.
- Tia Nastácia tem referências que soam de maneira preconceituosa. A maior parte é chamada de "a preta" e com adjetivos pejorativos como beiçuda. Acredito que havia um contexto de época fortemente arraigado à velhas percepções e não necessariamente uma valorização racista, como muitos dizem hoje.
- Visconde foi criado para ser o pai de Rabicó no casamento com a Emília.
- Lobato cita também personagens do cinema e literatura infantil nas aventuras da turma.
- O livro é datado de 1931 (posterior à outras publicações), mas é o precursor do Sítio por ter as primeiras aventuras, escritas a partir de 1920.
- "Aí tem maroscas!" Registrei a expressão apenas por não conhece-la e achar engraçada. Pedrinho a usava e tem um sentido de que existe alguma maldade.
- O livro mostra o quanto Lobato tinha um conhecimento vasto na literatura infantil. Eu que achava que conhecia, não soube identificar as personagens Rosa Branca e Rosa Vermelha. Quem são, hein?
- Gostei especialmente do capítulo que fala da visita dessas personagens ao Sítio. Ah, algumas notas bestas... Chapeuzinho vermelho parece que não era ainda o nome mais popular da personagem (falavam Capinha ou Capuzinho) e o visual da Branca de Neve era de uma loira (a imagem mudou, creio, a partir do filme da Disney). Quanta besteira... Só escrevo por gostar de registro, ainda que debaixo de mico.
- Chama a atenção o fato dos mitos do folclore nacional ainda não aparecerem. Acho que o autor buscava inspirações e colocava suas personagens de maneira dominante sobre as conhecidas na literatura. Por exemplo, as tiradas da Emília são irônicas e impagáveis no trato com algumas delas, o Pedrinho tem uma rusga com o Aladim (chamado de Aladino) sobre quem era mais audaz, aparece um Gato Félix falso (qual será o tamanho do personagem na época?) que é desmascarado pela esperteza da turma e o Tom Mix (personagem do cinema) aparece como um bandoleiro também engambelado.
- "Olhos de retrós". Que característica mais inusitada da Emília citada nesse livro. Toda vez que ficava espantada os olhos arregalavam e estouravam. Acho que o Lobato não levou isso adiante. Não lembro disso em outros livros. convenhamos que é no mínimo angustiante. Era o processo de construção...
- História, geografia, matemática, mitologia grega, literatura infantil, cinema... Percebemos um universo vasto tratado na obra do Lobato, mas acho que ele deixou uma lacuna que poderia ser explorada e me leva a investigar a linha de pensamento que ele tinha nisso. Não seria legal brincar também com personagens bíblicos? Por que será que não fez, sendo o país de cultura tão arraigada na religiosidade? Algumas coisas isoladas são citadas, mas rapidamente, como o Pedrinho tentando dar vida a um boneco com o "sopro de vida". Qual terá sido sua linha de pensamento? Vou investigar... Será que ele era ateu ou agnóstico como se diz hoje?
- Uma olhadela na internet confirmou o que imaginava do autor...
- Quando descobri, fiquei sugestionado a algumas coisas. Como ia começar a ler o capítulo "Pena de papagaio" tive a seguinte percepção (mas não estou dizendo que era a intenção do autor): a história parece uma sátira à fé, pois o Pedrinho encontra um personagem invisível que identifica como o Peter Pan (é o juízo de valor dele), e este lhe mostra um mundo de fábulas. Hum... Aí tem Maroscas! Principalmente quando vemos que o Visconde, símbolo da razão e saber, não participa dessa aventura por estar embolorado (esquecido em um canto... história sem razão...). É só uma observação sem fundamentação. Voluntário ou não, a boca fala do que está cheio o coração.
- Ah, esse capítulo tem também o texto "Os animais e a peste" que para mim, agora, é o mais instigante do livro. É uma fábula curiosa e dela veio o Burro Falante para o Sítio (ai, ai... espero não estar sendo um burro falante também).
- Fiquei meio cabreiro na leitura final do livro. Mas também, olha só, fala do pó de pirlimpimpim, que era aspirado e transportava para o mundo da fantasia. Será que o Lobato? Acho que talvez nunca tenha essa resposta... Voltando ao que se quer expressar, é uma valorização da imaginação infantil.
- O livro termina com o Pedrinho voltando para a cidade.
Imaginação, fantasia, valorização da brincadeira infantil, despertar para a aprendizagem, são os aspectos que se notam no livro.