Caio 04/01/2021
Livro que conta a realidade Nua e Crua!
Outro livro que gostei bastante do grande Lima Barreto. Um livro bem elaborado (apesar de ter algumas partes repetitivas, enfadonhas no sentido de certos retratos da região ou um pouco dos personagens) mas isso não tira os méritos, importância da obra na literatura brasileira no movimento modernista. Segunda obra que conheço do Lima, a outra foi 'A Triste Fim de Policarpo Quaresma' que também de forma irônica, ácida e inteligente critica o patriotismo e detalha muito bem as características da sociedade, dos seus costumes. Aqui em 'Clara dos Anjos' tem características semelhantes como: Dados autobiográficos na sua obra. Se vimos em Policarpo, características de Lima Barreto, aqui também vemos em Leonardo Flores. Traços da vida pessoal sofrida do escritor está nesse personagem complexo, com estigma de fracassado e viciado como o Lima Barreto foi em vida. Além da peça fundamental que discorre sobre a obra: O racismo. Lima, por ser considerado 'mulato', ele sofreu muito preconceito racial. Isso foi na Escola Politécnica do Rj principalmente onde era dominado, frequentado por alunos ricos, brancos e que desrespeitaram o Lima pela sua cor, pobreza, pelo seu nome por considerarem nome de rei de Portugal, que negro não deveria ter nome de reis - de acordo com esses estudantes racistas, imbecis. Enfim, aqui cita como é difícil a vida da mulher (por ser mulher), por ser negra, pobre e simples. Pq difícil? Porque há aproveitadores que usam o próximo para benefício próprio. Gente interesseira, aproveitadora. Quem? Cassi Jones de Azevedo. Mas falando da protagonista, Clara dos Anjos: Muito bem construida, pois, Lima de forma clara, mostra a sua personalidade, sonhos, vida de uma moça do interior. Sonhadora, pobre, simples e cheia de dificuldades, pois ela e sua família, apesar de não passarem fome, tinham outras dificuldades que não tinham acesso por questões financeiras, sociais da época. Aqui cita a característica dos seus pais: Pessoas simples, com pouco estudo, pouco críticos, muito ingênuos. Sim, os três são ingênuos: Clara, Engrácia, Joaquim dos Anjos, mais a Clara. Aqui Lima Barreto, faz uma crítica inteligente e perspicaz sobre a educação dos pais que a Clara recebeu. Uma educação frágil, equivocada e ineficaz. Leia que essas partes são bem pontuais e o escritor nos emerge muito bem no universo dos personagens. Falando agora dos outros personagens: Marramaque, um grande homem, simples, honesto, com muito empatia, que era a voz sensata e precavida em meio da história. Menezes, honesto, fracassado, bem retratado em meio as suas dificuldades, humilhações. Agora falando dos vilões onde tem peso na história por escancarar a realidade: Cassi Jones de Azevedo, Sebastiana de Azevedo, mãe desse sujeito. Para elaboração do Cassi, Lima Barreto pegou como referência, a obra do Eça de Queiróz chamada Primo Basílio. Para quem leu, lá temos o Basílio, sua história envolvendo com Luísa. Então o Cassi Jones tem as características do Basilio de conquistador, manipulador. Mas lá em Basílio, o Eça retratava a hipocrisia da sociedade burguesa portuguesa, aqui Lima critica a sociedade simples, surburbana, suas características do Rio de Janeiro. Uma região cheia de dificuldades estruturais. Outro ponto muito interessante mesmo achando (meio cansativo) mas enfim, o retrato das dificuldades do povo, a falta de necessidades básicas que toda população precisa na estrutura da região onde vive: falta de saneamento básico, falta de pavimentação nas ruas, falta de emprego, moradia de qualidade, a citação do descaso do governo. Partes bem realistas, bem cruas que continuam acontecendo hoje em dia em vários lugares no Brasil, em específico no Rio de Janeiro onde há muita miséria, dificuldades. Ponto positivo esse retrato social. Falando do Cassi novamente, ele é um cara desprezível, tipo de homem que trata a mulher como chiclete - usa e descarta após 'mascar'. (Desculpas pela comparação, moças leitoras). Só quis dizer que ele usava as mulheres e não pensava nas consequências, nem na vida que está manipulando. Enfim, gostei da abordagem e da construção desse vilão, pois sentimos o asco, nojo, desprezo que é esse personagem perante a sociedade e principalmente o que faz com as moças ingênuas. Moças que não tinham liberdade para estudarem, trabalharem, onde eram educadas desde de pequenas que para serem felizes na vida, tem que casar, ter filho, viver sujeita ao marido como uma dona de casa, mãe de vários filhos, onde a vida da mulher se resume a reproduzir, cuida do marido e dos filhos, vida controlada pelos homens geralmente machistas, por costumes sociais dificeis para a mulher na época, que isso acontece até hoje em dia. Então Cassi tem o seu caráter muito bem retratado, além do seu histórico de 'atitudes', de 'atividades curriculares'. Foi um personagem bem construído. Além do Cassi, a sua família é também retratada, especificamente a sua mãe, a Sebastiana Azevedo. Uma mulher que igualmente é desprezível, consegue ser pior que o canalha do livro. Aqui podemos fazer uma associação de como, forma de cuidar dos filhos influencia na sua personalidade, no seu comportamento. Engrácia era uma mulher controladora, sufocante e neurótica, Sebastiana era uma mulher relaxada, não se preocupava em cuidar do filho, em orientá-lo e ser linha dura quando precisava perante ao filho. Os pais neste caso do Cassi, tem culpa sim, pois as caracteristicas começam a surgir na infância, educação é importante desde de sempre. Passa mão na cabeça é o que o Lima crítica inteligentemente. Aqui não só a mãe tem culpa, como pai também, mas cada um tem a sua parcela de culpa. 30% a 35% da culpa talvez? Enfim, Sebastiana é um tipo de personagem que sentimos nojo pois a sua personalidade é de uma pessoa soberba, que se acha superior que os outros por achar que antepassados familiares é sinônimo de ser melhor que os outros, por ser racista, preconceituosa perante as moças. Não só preconceito com a cor de pele, como outras características, ou dificuldades que as moças viviam na época. Enfim, ela e seu filho, toda a história, é o retrato diário de como as moças sempre sofreram, sofrem perante as dificuldades de ser mulher, estar grávidas e abandonadas pelos seus companheiros covardes que não assumem a responsabilidade. Tenho exemplos até na familia. Isso é muita covardia. Um grande retrato social que Lima fez, se preocupando em denunciar as mazelas da nossa sociedade, do governo. Por isso Lima, é uma referência na literatura, uma pena ter sido tardia, pós-morte do escritor. Aqui na obra cita outros personagens como Margarida que é uma grande personagem que tem personalidade, sabe enfrentar as dificuldades, por ser forte por conta da sua cultura, história, personalidade, nos mostra que nunca devemos ficar quietos perante a certas situações, não ter medo de nada, buscar a justiça. Temos muito que aprender com pessoas assim. Sangue europeu justo, pessoas com educação diferente. Cada personagem nessa obra tem as suas desgraças, dificuldades muito bem detalhadas, muitos tem seus sofrimentos para carregar, suportar. É triste sim grande parte das histórias enquanto os vilões vivem no bem-bom, mas é uma obra necessária para entendermos um pouco o contexto da época, como já nesses tempos, o Brasil passava por tempos difíceis principalmente para pessoas mais simples. Grande livro atemporal sem dúvidas. Só a escrita enfadonha em pequenas partes que citei, o resto é ótimo.
Nota: 4/5.