Henrique Fendrich 11/11/2014
Sete anos de textos curtos
A arte é um sério antídoto contra as certezas. Assim conclui Fernanda Torres, que há sete anos começou a estender a sua atividade artística para o campo das letras e com sucesso, como comprova a ótima acolhida de Fim (Companhia das Letras), o seu romance de estreia. Mas os primeiros textos que escreveu pouco tinham em comum com a ficção eram perfis, ensaios ou mesmo reportagens que escreveu para a piauí. Depois vieram convites para a Folha de São Paulo e a Veja Rio, os textos se tornaram mais rotineiros, até que um dia ela decidiu juntar os melhores em um livro Sete anos (Companhia das Letras), que acaba de ser lançado.
Está lá na capa: Crônicas. Mas a absorção pelo gênero dos textos de Fernanda Torres não é tão simples assim, já que no livro estão incluídos justamente os longos textos que escreveu para a piauí, como os perfis de Bráulio Montovani e Hany Abu-Assad, o ensaio sobre o medo do ator entrar em cena ou a introdução para as correspondências de John Gielgud. O próprio texto de abertura, que rememora as filmagens de Kuarup, conta com 20 páginas. Já os textos feitos no seu tempo de colunista são chamados pela própria autora de artigos e, de fato, na maior parte deles não se enxerga o escritor descompromissado que caça borboletas pelo cotidiano.
Na verdade, o livro de Fernanda é bastante heterogêneo e abrange gêneros diversos inclusive a crônica. Em todos, no entanto, como destaca Antonio Prata, se sobressai a voz da autora, o que garante a sua unidade. Fernanda é inteligente e tem ótima bagagem cultural, capaz de aplicar Shakespeare com naturalidade em um texto sobre o mensalão. A política, aliás, foi o tema sobre o qual Fernanda escreveu inicialmente para a Folha. Todos os textos sobre o assunto que passaram para o livro ainda são perfeitamente compreensíveis, mas não é de se estranhar que alguns envelheçam e se tornam datados é o mal do tema, não da autora.
Esta, está mais preocupada em compreender as mudanças em um mundo onde as artes e os valores modernos estão cada vez mais ligados à economia às massas. Sabe que não há mais certezas e que nenhuma doutrina sobreviveu às últimas intempéries, mas acha impossível para uma mãe atingir a placidez dos céticos. O estranhamento diante do outro, as barreiras que separam uma cultura da outra e os conflitos decorrentes da mudança de conceitos trazida pela tecnologia também são objetos da atenção de Fernanda ela que acha difícil reconhecer algo humano nos games interativos que seu filho joga e se pergunta se Hamlet ainda fará sentido.
A autora interessa-se pelo entretenimento, associa a Disney à Idade Média, o UFC ao Coliseu e questiona se ainda haverá teatro na ordem econômica do terceiro milênio. Talvez até como forma de resistência é que Fernanda escreve vários textos sobre os bastidores da dramaturgia e também se mostre especialmente interessada em escrever textos de despedida para figuras importantes da área Dercy Gonçalves, Jorge Dória, Eduardo Coutinho, João Ubaldo Ribeiro.
E o pai, naturalmente. É nos textos em que fala da morte de Fernando Torres que ela se torna mais pessoal. Com seu estilo direto e enxuto, Fernanda praticamente nos transporta para o quarto em que o pai veio a falecer, talvez no texto mais bonito do livro. Outro momento bem marcante é quando assiste ao ensaio de uma peça da mãe e descobre uma Fernanda Montenegro que ainda desconhecia. Em textos ágeis e que vão além do trivial, Fernanda Torres mostra que não é apenas mais uma celebridade a se aventurar nas letras.
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