lucasfrk 28/02/2023
Viagens de Gulliver ? Resenha
É um livro de viagens que satiriza os livros de viagens. Este romance satirico é o trabalho mais conhecido de Jonathan Swift e é amplamente considerado um clássico da literatura inglesa.
Agora saindo um pouco da Wikipedia. Foi escrito numa época em que o romance ainda não havia se consolidado como gênero, quando a ?moda? eram relatos de histórias reais ou fingidas (como é este o caso). O mais engraçado dessa história toda ? na verdade é mais curioso do que engraçado ? é que muito se fala de um Jonathan Swift ?revolucionário?, isto é, um cidadão (leia-se: reverendo) do século XVIII escreve um livro que até tem suas virtudes, mas, aparentemente por ser europeu, inglês (nativo da Irlanda), branco, aristocrata, e nascido no século XVIII, é visto como um bolchevique (sim, estou exagerando tal como Swift o faz no livro; o leitor certamente entenderá o ponto). Mas como o clássico é aquele que ?nunca terminou de dizer aquilo que tinha que dizer?, e, note-se, estou tratando dele, não é mesmo?
O livro foi escrito durante o processo de formação política da Grã-Bretanha. Natural da Irlanda, Swift portanto, tinha uma visão de dominados, ao que ele então cria uma história que satiriza situações da época
, e com o objetivo de atacar a Inglaterra (neste caso estou com ele). Vale lembrar que Swift não se tornou um ?paladino? das causa irlandesas porque queria defender o próprio povo, mas sim por motivos meramente pessoais mesmo: por vingança da ingratidão da monarquia. Tendo isso em vista, Swift faz uma espécie de apanhado das viagens de Lemuel Gulliver, em primeira pessoa, com uma pretensa objetividade e uma suposta simplicidade.
A primeira parte, na viagem a Lilipute, já deixa em vista sua perspectiva pessimista do ser humano através de uma crítica bastante explícita à aristocracia inglesa, revelando seus falsos valores sobre honra. A segunda parte, na viagem a Brobdingnag, o autor destaca a simplicidade do povo e ainda denuncia os políticos e a forma de se fazer política de sua época (?defeito entre eles deriva de sua Ignorância, por não terem eles ainda reduzido a Política a uma Ciência, tal como fizeram as Mentes mais aguçadas da Europa? (p. 198), é a política como um fim em si mesma); além disso, ele faz uma valorização da ciência em detrimento do poder religioso (o que vai entrar em contradição com seu discurso da terceira parte); para tanto, aqui é onde mais se evidencia o caráter escatológico ? e até misógino ? do estilo de Swift (a ênfase em substâncias mal cheirosas do homem/episódio de quando Gulliver é adotado pelas grã-finas da corte).
Sua sátira fica mais evidente na terceira parte, na viagem de Laputa, onde Swift critica o excesso de ciência através dum ataque à extrema valorização da razão pelo Iluminismo. Mas a parte mais interessante é quando ele se desloca para a Ilha de Glubbdudrib, onde grandes personalidades da história humana estão servido a mesa. Aí Swift dá uma certa temporalidade, e demonstra que o conhecimento não é eterno (na medida em que expõe que aqueles pensadores não conseguem explicar suas próprias teorias que fizeram em vida). Já em Luggnagg, ele crítica a noção de imortalidade (aí sim de uma maneira bem material), demonstrando nossa necessidade da morte e de nosso desejo de enganar a morte.
Na quarta parte, na terra dos Huyhnhnms, ou seja, dos cavalos, Gulliver encontra um reino/estado ideal. Os yahus, por sua vez, representam a degeneração humana: a espécie humana, portanto, não tem capacidade de governar em favor do bem comum (apenas em favor de si mesma). Aqui, em ultima instância, é onde mais se acentua o aspecto de misoginia: tanto no episódio envolvendo o assédio que Gulliver sofre de uma yahoo, quanto seu comportamento em relação à própria esposa, quando volta das viagens. Aliás, que ótimo cidadão esse que fica anos viajando, poucas semanas com a esposa e filhos no intervalo entre as viagens, e ainda por cima os despreza, não é?
É na justaposição dos costumes dessas sociedades que Gulliver entra em contato que Swift elabora, então, sua sátira, fazendo um retrato do grotesco, buscando referências reais para sua composição, e invocando o bathos (ou seja, descreve a ação que busca por uma elevação da dignidade e da paixão, ainda que sem sucesso). Swift assim usa do humor, da fantasia e do absurdo para atrair seus leitores e expô-los a uma ridicularização daquela sociedade, com um toque considerável de pessimismo, tornando a obra mais convincente e provocativa, além de justificar personagens caricaturais com pouca profundidade psicológica.
Por se recusar a tratar a natureza humana de maneira lírica/poética (trocando em miúdos, ?bonitinha?, o que até acho mérito, em certa medida), Swift é visto como um autor que, na medida em que usa de seus elementos retóricos ? a ironia, a justaposição, a alusão, a alegoria, o burlesco, a paródia ? e desaparece a figura do herói, é visto como alguém que não busca por uma idealização. Ora, se na quarta parte Swift busca, por meio do narrador-personagen, exaltar a terra dos Huyhnhnms como um modelo perfeito de sociedade, isso não é uma idealização? Ok, ?Swift é Swift, Gulliver é Gulliver?, mesmo que as circunstâncias digam o contrário?
Há de se notar que o livro de Swift é bastante rico em conteúdo, mas deveras carente no quesito estilístico. O autor é excessivamente descritivo ao desenvolver sua história, e, além disso, usa de diversos adereços retóricos a fim de instigar uma pretensa interpretação ao leitor ? este muitas vezes ignorante ? com relação aos assuntos que ele expunha (injetando simbolismos que deveriam deixar o texto mais pessoal e passível de reflexões). Diversas metáforas e alusões são explicitadas através de notas de rodapé, que nos tiram momentaneamente da experiência literária para nos atentar a esses detalhes. Para ele (o autor), pouco importa como essa história é contada, o que interessa é o intelectualismo, o virtuosismo em aludir, a ironia jocosa de pessoas e situações (e isso independe de ele estar ou não certo, de estar ou não em causa libertária).
No fim das contas, o livro de Swift só é interessante porque conta uma história, ainda que de forma um pouco enfadonha, repleta de lugares e situações insólitas e inusitadas em que o autor se encontra (autor este deveras infame). A única coisa aqui [neste livro] que me leva a crer que Swift é realmente um grande escritor, é o fato dele analisar o ?entusiasmo? excessivo de seu tempo dado ao progresso da ciência, evidenciando que esse projeto iluminista poderia levar a um retrocesso civilizatório (fato tão irônico quanto o livro de Swift).