GilbertoOrtegaJr 15/03/2015Reze pelas mulheres roubadas – Jennifer ClementExistem alguns livros que parecem terem sido criados com um outro objetivo por trás do de contar uma história, livros onde contar uma história é a forma de se retratar uma realidade local em suas várias nuances; política, social, histórica, cultural. Estes livros se aproximam muito mais de estudos antropológicos do que de literatura, e ai a questão torna-se como fazer com que estes dados aqui retratados sejam atraente a ponto de atrair os leitores para o meu livro sem que ele seja chato, ou somente um amontoado de informações? a resposta desta questão parece ter sido dominada pela autora Jennifer Clement em seu livro Reze pelas mulheres roubadas.
O livro não segue uma estrutura narrativa do tipo clássica começo meio e fim, a história narrada por Ladydi é um relato de sua vida na cidade de Guerreiro, no México, esta cidade fica próxima à fronteira com os Estados Unidos e todos os homens que nela moravam decidem mais cedo ou mais tarde ir para os Estados Unidos na busca por uma vida melhor, a consequência disso é que deixam suas mulheres e filhas e nunca mais retornam nem lhes oferece ajuda alguma, por isso esta pequena cidade passa a ser habitada somente por mulheres.
Nesta mesma cidade narcotraficantes roubam meninas de 10 anos para cima para levarem elas para seus haréns onde elas se tornarão suas amantes, as mães destas meninas nada podem fazer, o pouco que conseguem é cavar um buraco no chão para esconder suas filhas quando os narcotraficantes chegarem. Não é somente nestes narcotraficantes que reside o perigo, tudo na cidade sofre com a violência lenta e torturante que é o descaso; só existe professores lá quando algum vai cumpri seu serviço obrigatório após o curso, e quando vão nem todos dão aulas de forma como deveria, não existe um atendimento básico de saúde e por ai vão as coisas.
Não existe perspectivas para as mulheres que vivem ali as duas únicas certeza destas mulheres é que mesmo que elas se casem logo vão ser abandonadas e esquecidas pelos maridos que atravessarão a fronteira para os Estados Unidos, como é o caso da mãe de Ladydi, por isso a filha tem o nome igual da princesa para lembrar a dupla traição do marido, primeiro com outra mulher e depois esquecendo da sua família. A segunda certeza é de que um dia suas filhas serão levadas pelos narcotraficantes e nunca mais retornarão a suas casas, a exceção disso foi Paula, amiga de Ladydi que todo consideravam a menina mais linda do México, ela foi captura, mas voltou após um ano cheia de marcas a traumas. Então quando nascem meninas com deformações ou até mesmo lábio leporino as mães comemoram.
Um destaque especial é para a mãe de Ladydi, ela não faz a linha delicada ou coitada, pelo contrário é uma mulher que bebe, vomita ao ouvir canções românticas (literalmente) e tem um senso prático incrível, o temperamento dela que já não era exemplar quando tinha um marido (convenhamos uma mãe que aposta corrida com sua filha para ver que vai cumprimentar o marido primeiro, e nesta mesma corrida pisa de propósito no pé da filha, ou a empurra para longe não é nenhum amor), fica pior após ser traída por ele, vingativa, egoísta, alcoólatra e por ai vai, mas nem tudo que ela faz é culpa do marido, como por exemplo sua cleptomania. É desta personagem que eu tive grandes risadas pois as situações beiram o absurdo constantemente.
O livro flui de forma rápida e interessante, por trás de uma linguagem leve existe um nítido relato da violência de gênero que existe naquele lugar, mostrando que ali mulheres são sobre-humanas, onde a cada dia lutam e sobrevivem as mais variadas formas de violência e miséria.
A Minha única reticência em relação ao livro é a impressão de que ele não tem um objetivo, nem um ponto de partida e chegada, talvez a autora tenha se preocupado demais em dar ao livros tons reais e precisos com informações e tenha perdido em alguma parte do percurso o controle narrativo. Apesar de muito bom fica a impressão de que em algum momento ela se cansa desta brincadeira e vai fazer algo melhor.
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