Rodolfo Vilar 07/11/2022
Ler "Gabriela, Cravo e Canela" foi na verdade uma releitura, tanto do livro (já quase perto de 10 anos que o li), como também da minissérie (que distorceu completamente o que o enredo representava). Adentrar na obra prima de Jorge Amado foi conhecer um novo aspecto da história, que como o próprio subtítulo do livro diz, é uma "crônica de uma cidade do interior", já que na verdade o enredo perpassa muito mais que a singelidade de Gabriela e conta a história de progresso de uma cidade, a cidade de Ilhéus.
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O grande palco da história, como dito, é o progresso da cidade de Ilhéus. De um lado, continuando o mundo imaginário criado por Jorge em livros como "Cacau", "São Jorge de Ilhéus" e "Terra do sem-fim", vemos a potência inquisidora dos coronéis contra o progresso daqueles que chegam à terra e querem transformar a política café com leite em governo progressista. Mas será que é possível ir contra os bos costumes?
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É em meio a essa guerra de progresso versus costumes, dentro do conflito íntimo do personagem Nacib, que se apresenta Gabriela, moça do interior da Bahia, vinda fugida da seca e em busca de encontrar um pouco de felicidade, a mais simples da felicidade. Gabriela se torna não somente a grande companheira de Nacib, como também a grande atração da cidade de Ilhéus.
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Aqui sim, fica a minha crítica, pois já com a mente petrificada pela personalização de Gabrela através das telas, achava que a personagem fosse a atração total do romance e que assim também pudesse ser tão sexualizada. Mas no romance ela vai muito além disso, Gabriela é a representação da liberdade como mulher, questionando num livro que fala sobre costumes sobre a liberdade em ser felilz, em ter alguém em se mostrar. Mesmo às vezes apresentando uma certa passividade que incomoda, há trechos espetaculares em que conhecemos Gabriela como menina, mulher, inocente, criança, nos lembrando que é na simplicidade que mora a mais doce liberdade.
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Em resumo, como diz José Paulo Paes em seu posfácio, "confluem na narrativa os temas de sujeição/libertação e atraso/progresso..." que mostram a correlação entre ambos e que se enriquecem conforme o livro avança.
Por fim digo que a (re)leitura de Gabriela foi um prato cheio para enriquecer o mundo criado por Jorge Amado, mostrando as relações de poder de uma época em que o progresso estava começando em seu auge. Fala-se sobre amor livre, sobre a quebra de tabus, assim como o autor trata sobre os papéis femininos numa sociedade machista e atrasada. Confesso que em certo momento tive raiva do árabe Nacib no seu tratar com Gabriela, mas ao fim compreendemos que existem diversas formas de amar, e que é na loucura que se entende esse grau de sentimento, claro, sem romantizar as questões que tratam sobre violência. Então indico a leitura para aqueles que procuram uma personagem única, assim como para entender a história de evolução de uma cidade.