Leonardo 31/07/2019
Maravilhoso! Agora me sinto (aqui do Rio Grande do Sul) um pouco baiano! rs
Como qualquer um (mesmo dentre os que não costumam ler os livros do autor) eu conhecia Jorge Amado. Por meio das novelas da Globo eu tinha lembranças vagas das obras dele. No meu imaginário (e de muitos que não o leram ou nem viram as adaptações televisivas de suas obras) as histórias de Jorge Amado são permeadas de sensualidade. Já tinha ouvido falar que era uma literatura simples. Bem, vamos por partes. Ao terminar de ler o livro Gabriela, percebi que este livro é permeado, sim, de sensualidade (no entanto, sem ser vulgar), mas também percebi que ele é muito mais do que isso. Por meio do livro compreendemos como é que funcionava as estruturas de poder que mantinham Ilhéus refém das mãos dominadoras dos coronéis e seus jagunços. Compreendemos como esse poder (assentado no domínio da terra e nos frutos de ouro que dela emanavam, o cacau) se formou. Esse poder se formou à base de violência, à base de bala. Compreendemos, através do livro, que esses coronéis administravam a terra de uma forma a segurar que seu status quo não fosse afetado. Mudavam as coisas só no seu aspecto superficial. Faziam um jardim aqui, uma praça ali. Mas Ilhéus demandava, dado o seu crescimento econômico, investimentos em sua estrutura. O principal investimento seria possibilitar que o porto de Ilhéus escoasse diretamente a produção de cacau. Agindo assim, evitava-se o escoamento da produção por meio de outro porto não localizado em Ilhéus (essa intermediação acarretava impostos a serem pagos pelos donos do cacau de Ilhéus). Os coronéis, no entanto, não estavam interessados nessa mudança, pois ela acarretava outras mudanças que tornariam Ilhéus mais desenvolvida (e isso poderia ameaçar o poder deles, o poder dos coronéis). Havia todo um jogo político. Os representantes dos coronéis junto ao poder executivo estadual e junto ao poder legislativo federal só estavam a serviço da manutenção do poder dos coronéis nessas esferas de poder. Por meio desses poderes, eles (representantes políticos dos coronéis) mantinham o domínio dos coronéis em Ilhéus. O livro abarca outros aspectos... ele trata das relações de domínio que os homens tinham sobre as suas esposas e amantes. Nessa terra a honra de um marido traído era lavada somente com sangue. Essa era uma lei não escrita, mas poderosa e incontestável. Em Ilhéus, daquela época, os homens tinham todas as liberdades (bebidas, cabarés, esposas, amantes, jogatina, seus negócios, os jogos de poder político). Ser homem era se lançar a esses vícios, prazeres e responsabilidades. Às mulheres cabia a educação suficiente para que soubessem ler, escrever, fazer contas, bordar e tocar alguma coisa no piano. Depois de devidamente "preparadas", o que lhes restava era fazerem filhos, fazerem uma boa figura social como boas esposas e serem propriedade de seus maridos. Mas dois personagens trazem à Ilhéus ventos de mudança: Gabriela e Mundinho Falcão. Mundinho representava a nova política, representava o fim da era de violência dos coronéis. Mundinho tinha como principal plataforma política a construção do porto de Ilhéus (porto tido pelos coronéis, convenientemente, como de inviável construção técnica). Mundinho, antes de tudo, era um administrador (e não um politiqueiro que tinha prazer em deter o poder). Mundinho veio para dar autonomia política de Ilhéus ante o governo do Estado da Bahia. Mundinho, diferentemente dos coronéis, buscava os interesses políticos de Ilhéus (e não seus próprios interesses). Gabriela, por sua vez, veio para encantar a todos (menos às carolas solteironas fofoqueiras da vida alheia e às esposas ciumentas dos "bons" homens de Ilhéus). Quem não gostava de Gabriela invejava, na verdade, a sua beleza, a sua liberdade e o seu sorriso fácil. Gabriela era uma criança em corpo de mulher. Era um animalzinho a não se deixar ser preso em uma gaiola de ouro como as demais. Bom, ela não se deixou ser presa por meio de inúmeras propostas de cunho financeiro de muitos admiradores, mas... mais por amizade, do que amor (Gabriela, na verdade, tinha um jeito diferente de amar) Gabriela se deixou ser presa por um certo tempo. No entanto, como bem disse um velho amigo do árabe Nacib (futuro e malsucedido esposo de Gabriela), há flores que não se prendem a um vaso (quando ocorre isso elas murcham). Gabriela e Mundinho! Duas revoluções em Ilhéus! Revolução econômica e de costumes. Dois forasteiros que vieram para sacudir a cidade. Leia o livro e você verá. Jorge Amado, com Gabriela, concebeu uma história de alta qualidade literária. História prazerosa. Uma história com cheiros e cores (cravo e canela). Uma história com deliciosos pratos regionais (ainda quero experimentar esse gostinho da Bahia, do Nordeste). Pretendo ler outros livros do autor (Tieta e Dona Flor e Seus Dois Maridos). De fato, Gabriela é um livro simples... simplesmente genial!