Raphael 28/10/2020Leitura agradável, envolvente - leve, sem ser pueril. Adorei!De Jorge Amado apenas havia lido "A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água" - uma novela divertidíssima, aliás - e há tempos vinha querendo encarar um de seus romances. A oportunidade surgiu com a indicação de "Gabriela, Cravo e Canela" para o Clube de Leitura Travessia, de que faço parte. Adorei a experiência de leitura e me deu muita vontade de assistir as adaptações que a nossa teledramaturgia produziu a respeito desse livro! Jorge Amado é um contador de histórias de mão cheia.
A história é ambientada na Ilhéus dos coronéis do cacau, no transcurso de alguns meses entre 1925 e 1926. O leitor desavisado vai se surpreender ao descobrir que Gabriela, que dá nome ao romance, é menos central do que imaginava. A narrativa opera em dois planos, trazendo em um deles a história do romance entre a retirante Gabriela e o árabe Nacib, e no outro o conflito político entre o exportador carioca Raimundo Mendes Falcão e o chefe político local, o Coronel Ramiro Bastos. A dinâmica do texto constrói, assim, uma interposição entre o micro e o macro, entre o individual e o coletivo, entre o regional e o nacional.
Nesse universo, transita um grande número de personagens, a ponto de o leitor, a princípio, ficar até meio tonto. É muita gente: Nacib, Gabriela, Fagundes, Clemente, Mundinho Falcão, o Capitão, o Doutor, o livreiro João Fulgêncio, o sapateiro Felipe, Nhô Galo, o professor Josué, Ari Santos, o jornalista Clóvis Costa, o coronel Ramiro Bastos, seus filhos Alfredo Bastos e Tonico Bastos, a menina Jerusa, a menina Malvina, o coronel Amâncio Leal, o coronel Melk Tavares, o coronel Ribeirinho, o coronel Manuel das Onças, o coronel Altino Brandão, o coronel Aristóteles Pires e, tenham a certeza, estou deixando de citar muita gente! Nesse sentido, o subtítulo do livro nos diz muito: "Crônica de uma cidade do interior". E Jorge Amado usa muito bem todas essas peças, na construção de uma história coletiva.
Trata-se de um romance histórico de costumes, no qual se vê surgir como grande tema o descompasso entre o rápido progresso econômico da região cacaueira e a lenta mudança dos costumes, numa Ilhéus que se desenvolve em ritmo acelerado, mas se agarra a antigos códigos morais, que, entre outras coisas, aplaude e estimula o feminicídio como antídoto para a honra maculada do marido. Aliás, dentro dessa chave dos costumes, a questão da liberdade/sujeição da mulher é, sem sombra de dúvida, um grande tema de "Gabriela, Cravo e Canela": seja através do espírito livre de Gabriela, que Nacib intenta domar; seja no desafio da menina Malvina à autoridade do pai e aos códigos locais; seja no contraste em torno da questão do adultério: para o homem um direito, para a mulher um delito punível com a morte. Como pano de fundo, os contornos políticos da República Velha, a política dos governadores, o coronelismo, a jagunçagem...
De novo, adorei e recomendo muito!