jota 24/09/2024ÓTIMO: humor inteligente, sardônico e absurdo de Sedaris garante diversão da primeira à última página
Ninguém é engolido por labaredas nas 22 histórias engraçadas que o autor norte-americano David Sedaris (1956) nos conta aqui. O título da coletânea remete para a última delas, Área de Fumantes, a mais longa e uma das mais engraçadas do volume. Tem a ver com sua história desde que começou a fumar e a dificuldade para parar com o vício na vida adulta. O que um dia o levou a ser preso na Tailândia quando jogou uma bituca de cigarro no chão. Ele nos fala ainda do Japão, mais precisamente de um hotel em Hiroshima, onde havia certas instruções para os hóspedes, escritas em inglês macarrônico. Um trecho de Área de Fumantes:
“Um livreto de nosso hotel incluía uma seção de segurança estranhamente intitulada Melhor Conhecimento sobre Prevenção de Danos e Desastres e Favores a Pedir a Vocês. Seguiam-se três parágrafos, cada um deles escrito abaixo de um título em negrito: “Quando você entrar no quarto do hotel”, “Quando você localizar um incêndio”, “Quando você for engolido pelas labaredas”. Pois é, no Japão isso pode acontecer, de fato. Mas coisas estranhas também podem acontecer na França, na Inglaterra, igualmente no seu próprio país: sempre que pode, ou não, Sedaris aproveita para ironizar a cultura norte-americana média.
De volta ao Japão, ele lista ainda outras estranhezas encontradas no país oriental e prossegue contando sua luta para parar de fumar. Tudo muito engraçado, porque, como consta de uma nota dele próprio, “todos os eventos descritos nestas histórias são mais ou menos reais. Certos personagens têm nomes fictícios e características que os identificam.” Então não escapam pai e mãe, o irmão e suas irmãs, o companheiro Hugh e outros personagens que vão surgindo ao longo do livro. Como a impagável Helen de É o Amore, que me pareceu a melhor história, a mais cômica do volume, originalmente intitulada That’s Amore. Que também é o título de uma conhecida canção de 1953 interpretada pelo ator e cantor Dean Martin.
Era a canção que Helen adorava ouvir. Mulher de 73 anos, de ascendência italiana, vizinha de apartamento de David e Hugh em Nova York, era desbocada e cruelmente hilária, mas às vezes também generosa. Quer dizer, à sua maneira, pois gostava de fazer pratos italianos e presenteá-los para certos vizinhos para deixar outros com inveja. David diz que jogava todas as comidas no lixo porque eram horríveis. Dela ainda ganharam uma antiga máquina de costura que mal cabia no pequeno apartamento de um quarto. Sedaris descreve como Helen o teria visto pela primeira vez: “A mulher desdobrou uns dedos grossos, como se faz quando se formula uma equação: 2 rapazes + 1 quarto com um revestimento terrivel = veados.” Mas isso é muito pouco perto do resto de sua história.
Numa entrevista Sedaris disse que deixou muita coisa de fora sobre Helen porque os leitores certamente não a perdoariam por sua crueldade para com as outras pessoas, arrogância, inconveniência, orgulho e opiniões quase fascistas. Ainda que para ele (e depois para nós, naquilo que ele conta) tudo que ela fazia ou como ela agia no fundo parecesse engraçado. O mesmo ele fez com outros personagens, como sua terrível professora de francês em Paris, a quem não queria magoar. Da mesma forma, submetia seus textos aos familiares antes de publicá-los quando eles faziam parte de alguma história. E mesmo assim os textos de Sedaris, oscilando entre a crônica, o conto e o ensaio, como lembra a Companhia das Letras, são plenos de “humor sardônico, autoimpiedoso e absurdista”. São mesmo, já li muita coisa dele antes.
E tudo começa com a primeira história, É Contagioso, sobre doenças, germes e vermes, daí a capa brasileira do livro que é muito pouco apreciável, mas justificada, vem ilustrada com uma mulher espirrando num lenço. A da edição americana vem ilustrada com a parte superior de um esqueleto com um cigarro no lugar que teria sido sua boca, que remete tanto para o vício de fumar do autor, explorado na já citada Área de Fumantes, quanto em outro texto, Memento Mori, em que Sedaris conta que pretendia dar para o companheiro Hugh um esqueleto humano, mas ficava na dúvida se compraria um de bebê ou de um adulto.
E assim vai ocorrendo com todas as histórias narradas por Sedaris, umas mais engraçadas outras menos, mas todas interessantes de se acompanhar. Nelas ele demonstra ser não apenas um autor cômico, também um sujeito bastante inteligente, pois consegue dar a coisas, pessoas e acontecimentos triviais uma aura de graça que poderia parecer patética na escrita de outro escritor menos talentoso. Apenas duas das histórias, as citadas É o Amore e Área de Fumantes, já fariam de Engolido Pelas Labaredas uma obra altamente recomendável para quem curte humor escrito por autores como Woody Allen, Groucho Marx, H. L. Mencken, Mark Twain etc.
Engolido Pelas Labaredas é o quarto livro de David Sedaris que leio. Tudo começou com Pelado (Lugano, 2005), depois li Eu Falar Bonito Um Dia (Companhia das Letras, 2008), que muito mim gostar e ainda li De Veludo Cotelê e Jeans (Companhia das Letras, 2006). Para os três dei cinco estrelas, porque me diverti muito com todas as suas histórias bem-humoradas. Não sei se todos os livros que publicou foram traduzidos para o português. Espero lê-los ainda caso isso tenha ocorrido: Sedaris é sempre diversão garantida.
Lido entre 15 e 23 de setembro de 2024.