Lahlavrac 05/03/2024
Uma análise perspicaz da relação paradoxal do brasileiro com o Estado
Bruno Garschagen é um cara que tem me impressionado bastante nos últimos anos e em Pare de Acreditar no Governo não é diferente. Aqui ele empreende uma análise profunda e abrangente sobre a paradoxal relação do povo brasileiro com a política e o Estado. O autor investiga as origens históricas dessa mentalidade estatista que permeia a cultura nacional, desde os primórdios do país até os desafios políticos contemporâneos. Ao longo do livro, Garschagen não apenas expõe a desconfiança generalizada em relação aos políticos, mas também questiona por que, apesar desse ceticismo, os brasileiros nutrem uma visão romântica do Estado como solucionador de problemas.
A obra traça um panorama histórico que remonta ao período colonial, evidenciando as origens dessa mentalidade estatista que se desenvolveu ao longo dos séculos. A relação entre portugueses e comunidades locais, marcada por favores e concessões, pavimentou o terreno para uma cultura de dependência do Estado que perdura até os dias atuais. Durante o império e a república, diversas ideologias, como positivismo e maçonaria, deixaram marcas profundas, alimentando a polarização entre tradição católica e influências progressistas.
A obra aborda criticamente os períodos da ditadura Vargas e do regime militar, destacando a intensificação de políticas estatistas que culminaram em estrangulamento do livre mercado, burocracia exacerbada e aumento da carga tributária. O autor ressalta que mesmo governantes rotulados como liberais ou neoliberais não escaparam do compromisso com a preservação do Estado monumental, revelando um padrão que transcende as ideologias.
O cerne do argumento de Garschagen reside na notória incoerência do povo brasileiro, que, embora nutra desconfiança aguda em relação aos políticos, ainda assim demanda intervenção estatal frequente. Essa contradição, segundo o autor, é enraizada em uma mentalidade estatista que permeou a cultura, resultando na percepção romântica de que o Estado é capaz de solucionar os problemas sociais, políticos e econômicos.
Garschagen aponta, de maneira incisiva, a responsabilidade da esquerda brasileira na disseminação da mentalidade estatista. O autor argumenta que a esquerda defende um projeto de poder totalitário, dependente da ampliação do papel do Estado na sociedade. Ao criticar essa postura, ele lança luz sobre como as políticas de esquerda podem ter contribuído para a consolidação do Estado como figura central na vida do brasileiro.
Ao abordar os desafios contemporâneos, Garschagen destaca a necessidade de uma mudança cultural profunda, aliada a reformas institucionais, para superar a mentalidade estatista. A análise do autor ressoa a importância de incentivar a liberdade individual, a responsabilidade pessoal e a redução da intervenção estatal na economia e na vida cotidiana.
Em Pare de Acreditar no Governo, Bruno Garschagen oferece uma obra que não se limita a mera crítica política (sobretudo aquela cheia de lugares comuns), proporcionando uma análise meticulosa e contextualizada da relação complexa entre o povo brasileiro, a política e o Estado. Aprofundando-se nas raízes históricas, o autor evidencia as contradições que permeiam a cultura nacional, instigando reflexões sobre a necessidade de uma transformação cultural profunda para romper com a mentalidade estatista e buscar uma sociedade mais livre e responsável.
O livro se destaca, ainda, como uma contribuição significativa para o entendimento da complexa dinâmica política brasileira, incitando o leitor a repensar concepções arraigadas e a vislumbrar novos horizontes para o país. Maduro, coerente, claro, objetivo.
Nota: 7,0.