Alan Martins 28/09/2017
Contos sagazes e inteligentes
“Os atores são criaturas felizardas. Podem escolher entre representar uma tragédia ou uma comédia, decidir se vão sofrer ou divertir-se, rir ou chorar. A vida real, porém, é diferente. A maioria dos homens e das mulheres é forçada a representar papeis para os quais não tem pendor”. (WILDE, Oscar. O crime de Lorde Arthur Savile, In: O fantasma de Canterville e outros contos. Nova Fronteira, 2017, p. 57)
Raros são os autores que escrevem tão bem como Oscar Wilde escreveu, e muito mais raros são aqueles que conseguem se sair bem em diversos gêneros e estilos literários. Escreveu poemas, peças teatrais, um único romance e diversos contos; todos de qualidade exemplar. Este livro reúne alguns de seus contos mais conhecidos, em uma bela edição.
CARREIRA CURTA
Conhecido pelo seu único romance publicado, o magnífico ‘O retrato de Dorian Gray’, Wilde não possuiu uma longa carreira como autor e teve uma vida conturbada e triste. Foi condenado por, supostamente, se relacionar com Lord Alfred Douglas, o que era considerado crime naquela época. Passou dois anos preso, realizando trabalhos forçados. Esse acontecimento fez com que sua família se afastasse, chegando a mudar de sobrenome.
Apesar da curta carreira e dos acontecimentos infelizes, o que Wilde produziu em vida já foi o suficiente para consagrá-lo como um dos maiores autores da língua inglesa. Seu único romance é cultuado e interpretado até hoje, suas peças receberam diversos elogios e seus contos são muito inteligentes e sagazes. Ao terminar um livro de sua autoria o sentimento que fica é o de: “Pena que ele morreu tão cedo, um grande autor assim teria produzido muita coisa boa”.
“Você precisa abrir para mim os portais da Morte, pois traz sempre consigo o Amor e o Amor é mais forte do que a Morte”. In: O fantasma de Canterville, p. 29
VIAJANDO ENTRE GÊNEROS
Esta edição reúne oito contos de Wilde. Alguns desses contos foram escritos para seus dois filhos, frutos de seu casamento com Constance Lloyd. Esses contos possuem características de fábulas, com animais ou outros seres inanimados como personagens, que falam e sempre levam à uma moral final. Por exemplo, temos em ‘O Príncipe Feliz’ uma história entre uma grande estátua e uma andorinha. Já o último conto ‘O filho da estrela’ possui um final com uma forte moral, com o qual Wilde queria ensinar seus filhos a serem bons e não maltratarem ninguém, acredito.
Em outros contos, como o que dá título ao livro, temos uma grande sátira à sociedade de sua época. Um fantasma em decadência e pessoas extremamente racionais. Conto que inspirou o filme brasileiro ‘Simão, o Fantasma Trapalhão’, pois além de crítico, é uma história muito engraçada.
São contos inteligentes e criativos e muito bem construídos. Wilde consegue criar histórias de diversos gêneros literários e se sair bem em todos. Uma característica marcante em alguns contos é uma escrita poética, exaltando o amor. Há sempre um questionamento entre amor e filosofia, razão e sentimento.
Sabe aquela viagem inesquecível que você já fez? Essa viagem literária entre os contos de Oscar Wilde é tão gratificante quanto.
“— O coração de um artista fica em seu cérebro — replicou Trevor. — Além disso, nossa “tarefa é interpretar o mundo como o vemos, e não reformá-lo à nossa moda”. In: O modelo milionário, p. 92
CORRELAÇÕES E QUALIDADE DOS CONTOS
No conto ‘O modelo milionário’, temos a presença de um pintor que é visitado por seu amigo. Além de possuir um desfecho surpreendente, o conto se relaciona e talvez tenha sido um esboço para ‘O retrato de Dorian Gray’. A figura do pintor Alan Trevor faz uma alusão a Basil Hallward, o pintor presente no romance, porém sua personalidade se assemelha mais a Lord Henry Wotton. Talvez, ao escrever o conto, Wilde já estava esboçando aquele que viria a ser sua maior obra.
O embate entre amor e filosofia é muito característico nas obras do autor. Diversos contos trazem essa questão. Ser racional, na visão do autor, geralmente leva a personagem ao egoísmo, funcionando como uma crítica.
‘O crime de Lorde Arthur Savile’ funciona como uma visão crítica da aristocracia, mostrando como os poderosos fazem o que bem entender para alcançar seus objetivos, e é uma história de mistério, com uma tensão que só termina quando o conto chega ao fim.
Como seria se Oscar Wilde tivesse vivido mais, sem ser injustiçado, escrevendo romances de diversos gêneros? Um livro de mistério? Suspense? Com certeza seriam ótimos livros, que jamais veremos, pois uma mente brilhante foi perdida pelo mais puro preconceito.
“A injustiça dividiu o mundo e só a dor está bem-repartida”. In: O filho da estrela, p. 140
SOBRE A EDIÇÃO
A editora Nova fronteira lançou nesse ano de 2017 a coleção ‘Clássicos de ouro’. A coleção será composta por vinte e duas obras clássicas da literatura mundial, incluindo livros de ficção e não-ficção, e será limitada. Algumas são edições que já foram publicadas no passado, porém com uma boa repaginada, em capa dura, miolo em papel Pólen Soft com ótima diagramação, ou seja, livros para se colecionar, com material de boa qualidade.
Um ponto negativo desta edição é a tradução feita por Otto Schneider, que é um tanto quanto antiga. Algumas datam da década de 1940. Ser antiga não faz tradução ser ruim, porém muitas expressões que ninguém mais utiliza foram mantidas, a revisão não atualizou o vocabulário. Além disso, verificando alguns artigos acadêmicos sobre tradução, vemos que Schneider, às vezes, faz uma tradução muito literal, traduzindo expressões ao pé da letra, ao invés de buscar uma equivalente para o português, ou fazer uma adaptação. Nota-se também que sua tradução é bastante rebuscada, utilizando um vocabulário extremamente formal, quando o conto apresenta uma linguagem mais simples, no original. Não é uma tradução ruim, tem sua qualidade e o texto é compreensível, a história não se altera, porém peca em diversos pontos. Seria mais interessante se a presente edição contasse com uma nova tradução, atualizada.
“Somos nós nada mais que peças de um jogo de xadrez, movidas por forças invisíveis, vasos que o oleiro amolda segundo sua fantasia?” In: O crime de Lorde Arthur Savile, p. 56
CONCLUSÃO
Considero Oscar Wilde um dos maiores autores de todos os tempos e o tenho como um de meus favoritos. Sua escrita é muito inteligente e sagaz, além de criativa e divertida. Nenhum dos contos será de leitura maçante, são gostosos e rápidos de ler. O fato de existir a variação de estilo entre os contos é muito positivo, tornando cada história uma novidade, aumentando a vontade de virar as páginas. Autor clássico, de obras atuais, que todo leitor deveria conhecer, em uma edição muito bonita, apesar do ponto negativo da tradução.
“A Sociedade, tal como a constituímos, não terá mais lugar para mim, nem me oferecerá nenhum. Mas a Natureza, cujas doces chuvas caem tanto sobre os injustos como sobre os justos, terá nas rochas algum esconderijo onde me possa ocultar, e me oferecerá vales secretos em cujo silêncio poderei chorar sem que me perturbem”. Oscar Wilde, De Profundis
Minha nota (de 0 a 5): 4,5
Alan Martins
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