Reginaldo162 20/10/2024
Um convite a sentir
Meu primeiro contato com Adélia Prado foi no meu primeiro ano do curso de Letras português, no IFG. Isso foi entre 2015 e 2016. Lembro do professor André recitando o poema “Solar” que ele sabia de cabeça. Nós estávamos estudando as representações da figura materna na literatura ocidental. Passamos por Clitmnestra, por um conto de Lygia Fagundes Telles, acho que tivemos mais exemplos. A intenção era ver como a influência da tradição judaico-cristã, principalmente a religião católica, havia tornado as mães entes sagrados.
Eu fiquei extremamente encantado com o poema. Procurei na biblioteca da minha cidade e achei o livro “Bagagem”. Eu devorei esse livro nas idas e vindas de Goiânia para Senador Canedo. Imediatamente que eu a li, ela se tornou minha poeta favorita. Aproveito para dizer que ela odeia ser chamada de poetisa, ela é tão poeta quanto os homens como Drummond.
Há duas entrevistas dela no Roda Viva. Uma de 1994 e outra em 2014. Ela comenta pontos polêmicos da sua obra. Católica de formação, ela se orgulha de ter sido criada nessa religião. Ela nasceu em Divinópolis há 87 anos, onde vive até hoje. Residir no interior de Minas Gerais possibilitou muitas experiências significativas e um material frutífero para sua escrita.7
Adélia Prado só foi descoberta para o público em geral, em 1976, com a publicação de “Bagagem”. Ela tinha 40 anos, era formada em filosofia, casada e com cinco filhos. Ela enviou seus poemas para um crítico que os mostrou para o poeta Carlos Drummond de Andrade. Ele ficou encantado e a recomendou para publicação de uma editora.
Adélia teve um grande impacto sobre mim. Só o “Bagagem” li umas 4 vezes compulsivamente. Li mais outros 6 livros dela. Conhecer Adélia tem me tornado uma pessoa melhor. Quando eu leio os poemas dela, eu penso: quando escrever quero ser igual a ela. Mas falho miseravelmente.
A imaginação católica de Adélia Prado influenciou bastante a minha adesão ao catolicismo. Em uma entrevista em 1994, quando foi questionada sobre os evangélicos, ela respondeu que eles tinham muitas restrições e pareciam mais infelizes do que os católicos.
Verdadeiramente, há mais liberdade no catolicismo. A esmagadora maioria do evangélicos brasileiros veem problemas em consumir bebidas alcoólicas e conteúdos de entretenimento não cristão. Diferente do catolicismo que criou artistas icônicas como Madonna e Lady Gaga.
O título dessa coletânea é baseado num poema e numa fala dela ao Roda Viva. Ela disse que a mente dela só pensa em três coisas: Sexo, Morte e Deus.
Eu me tornei um leitor mais voraz a partir de 2011, quando mudei para Goiás, onde as pessoas zombavam do meu sotaque maranhense e eu tinha mais contato com livros clássicos do que com as pessoas. Eu devorava os livros didáticos. Teve uma época que fiquei obcecado com Descartes. O seu “penso, logo existo” me contaminou de uma maneira que parecia irremediável.
Eu consumia muitos livros técnicos ligados à psicologia, filosofia, sociologia e teologia. Desconfiava das minhas emoções e fazia um grande esforço para ser estritamente racional. Mas havia uma Adélia no meio do caminho.
Quando eu li os versos:
"Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento."
Eu fiquei preso nesses versos por anos. A minha casa, que parecia ter sido construída sobre a rocha, revelou-se construída na areia. Depois que eu tive acesso a filósofos como Nietzsche e Espinosa, eu pude identificar melhor os problemas do racionalismo de Descartes.
O sentimento é mais universal do que a razão, portanto, ele deve ser priorizado.