Lili.Baillarge 20/08/2022
Bambi: A Terceira Mão
Publicado pela primeira vez 1923, Bambi já era um sucesso quando a Disney apresenta ao mundo sua adaptação em 1942, pouco depois, em 1945, viria a falecer em Zurique na Suíça, o austro-húngaro, Siegmund Salzman, seu criador sob o pseudônimo Felix Salten. Nesse romance de formação tão peculiar acompanhamos os relacionamentos de família, amizade e amor, as perdas e o amadurecimento do corço mais famoso do mundo, ainda que nas telinhas tenha sido representado como um veado-americano, como um alerta a caça predatória.
É uma escolha de ponto de vista muito bem acertada, com voz dada aos animais e até mesmo atribuindo individualidade de “consciência” a cada folha no belíssimo capítulo nove, Salten cria um cenário que trata de outros aspectos das vidas na floresta: competição, predação, hábitos, as estações, mas destaca a interferência antrópica no cotidiano animal. O homem em Bambi é entendido pela maioria dos personagens como ele por muitas vezes acha que é: um ser distinto, separado das outras coisas, dominante sobre tudo aquilo que não é ele.
Se fala do homem como parte de um folclore assombroso, uma divindade maligna, utilizando letras maiúsculas para se referir a ele. Mesmo quando em grupo é mencionado por vezes como uma individualidade, uma entidade, "Estamos cercados [...] Ele está em todos os lados”. Dito feito de fogo, dito ter uma terceira mão, capaz de produzir trovões, extremamente perigoso, um ser que só deixa de opção a fuga desesperada, a personificação do inferno que alarma todos com o seu odor particular, antinatural que não faz parte dos dias felizes da floresta.
É ele o único animal que não entende os outros e que não é entendido, o corço é amigo do coelho, do esquilo, da coruja, ele fala com o gafanhoto, com a borboleta, com os pássaros, o homem não entende como gritou o pescoço perfurado daquele corpo inerte no meio da neve, nem aos seus iguais, em uma cena que se revela tão susceptível como qualquer outra vida que Bambi tinha conhecido. Dentro do buraco não havia fogo, era o mesmo vermelho que vívido que a acreditada terceira mão que era só um acessório exclusivo para matar havia feito transbordar de amigos, da mãe.
Apesar de não gostar do protagonista, é esse o único elemento que não me permite colocar Bambi entre os favoritos. É um excelente livro para iniciar um pensamento sobre conservação para jovens leitores, funciona para quem quer reviver essa história e até mesmo para uma jovem adulta mais ou menos amarga que começa a encontrar dificuldades de conexão com personagens mais jovens, mas encontra uma narrativa com momentos de tensão muito bem feitos, descrições bastante estimulantes e nada cansativas, algumas surpresas no enredo, e que foi uma ótima leitura, ainda que não predomine, por motivos óbvios, a intensidade sentimental que tanto gosto.