Naty 16/11/2016
A barata diz que tem cinco saias de filó. É mentira da barata, ela tem é uma só.
Vou dividir minha análise em cada conto em separado. O livro apresenta 9 contos e possui uma grande dificuldade narrativa pela minúcia descritiva e também pelos nomes diferentes e falar mais sertanejo dos personagens.
1] O burrinho pedrês
Percebe-se, nesse conto, uma descrição minuciosa do campo, das pessoas e de seus costumes. Tudo com um olhar familiarizado com o cenário e que consegue descrever cada detalhe com clareza e aptidão. A história do burrinho pedrês narra o episódio de um afogamento de grande parte dos bois e de alguns homens que dirigiam uma boiada. Esse burrinho consegue salvar o homem montado em coma dele. A despeito de ser o animal mais velho, é o que consegue melhor aguentar o caminho e enfrentar os problemas.
Guimarães Rosa adota uma linguagem um tanto que truncada e que aborda tudo minuciosamente desde o cenário até a sociedade e retrata, através de relatos, outras histórias também com o tema campo.
2] A volta do marido pródigo
Lalino, espécie de personagem principal, quer vida de prazeres no exterior e, para isso, sai de sua terra. Lá, sua mulher já estava com outro homem e as pessoas rejeitavam sua atitude e sua presença. No entanto, assim como ocorre com o filho pródigo, que volta e ganha mais honra que antes, ele consegue impor respeito e começa a trabalhar com o coronel local arranjando sua candidatura. Ele consegue montar planos traiçoeiros e bem planejados que acabam com os inimigos do coronel além de conseguir escapar de qualquer aperto. No final, acaba reconquistando sua mulher e vencendo, por assim dizer.
A linguagem continua truncada, mas um pouco menos que antes (talvez pelo costume). A história consegue impor mais ritmo e chega a entreter. A realidade retratada é, de novo, o campo. A compra de votos fica muito evidente nesse conto e a visão que as pessoas têm dos imigrantes também é bem interessante.
3] Sarapalha
Essa história já começa com dois primos acometidos pela malária sofrendo acessos da doença e conversando de seus problemas um com o outro. Um deles tinha uma mulher que se foi de casa por outro homem e seu real marido ainda se dói pelo fato. O que ele não sabe é que o primo que ele julga ser seu amigo só foi para lá atrás de sua mulher e, a partir do momento em que o outro primo conta os seus reais motivos para terem ido ficar ali, o seu primo o expulsa da fazenda e este, também acometido com a malária, implora a misericórdia de seu primo o que não funciona e ele acaba indo embora e, bem neste momento, um dos seus acessos começa a acontecer.
Esse foi um conto um tanto que fútil e rápido. Até o próprio Guimarães Rosa diz que esse é o conto que ele menos gosta.
4] Duelo
Um homem vê sua mulher o traindo com outro e, como forma de vingança, tenta matar esse homem, mas acaba matando o irmão do cara. O que perdeu o irmão persegue o outro, mas acaba pegando uma doença. Antes de morrer, ele ajuda um homem pobre a salvar a vida de seu filho o que lhe rende grande respeito desse jovem e, na hora de sua morte, ele promete matar o rival do falecido.
O homem traído pela mulher do início, alegre por saber que seu arco inimigo estava morto, volta para casa e, no caminho, encontra o homem ajudado pelo seu arco inimigo que o aborda pacificamente, o reconhece e depois o mata.
Esse conto tem uma linguagem um pouco mais fácil e um encadeamento lógico também mais acessível, mas conserva sua linguagem típica da região e sua abordagem convincente dos locais que descreve.
5] Minha gente
Essa história fala muito dos sentimentos que o protagonista mutria por sua prima e todo o tempo que passou tentando conquista-la sendo que ela não o queria e, depois de algumas andanças, ele conhece a amiga de sua prima e ele acaba ficando com essa menina e sua prima se casa com o antigo noivo de sua amiga.
É uma história um tanto que focada nas relações pessoais do povo do campo e no amor. A política é uma das partes que mais me chamaram a atenção, pois revela a compra de votos e o enfrentamento de coronéis rivais.
6] São Marcos
Esse é um dos contos mais descritivos e demorados de todos. Mesmo com poucas páginas, ele é bem cansativo. O protagonista desdenha de feitiçaria e de coisas místicas, mas conhece uma reza que muitos dizem ser braba. Ele desdenha tanto que o cara feiticeiro do lugar faz um boneco dele e coloca uma venda nos olhos. Ele perde a visão e se perde na mata.
Sem olhos, a descrição dos sons se exacerba. Depois de muito se bater no maio do mato, ele consegue sair e faz a tal reza que conhecia, fica forte, tem visão restaurada e vai atrás do feiticeiro que o fez isso. Ele quase mata o tal mago e aí acaba o conto.
Aqui há uma descrição da natureza e da cultura religiosa desses locais de forma magistral e chata, muito, muito chata.
Foi, para mim, bem sem sentido essa história, mesmo sabendo do trabalho que deve dar para criar uma história dessas. O retrato da sociedade rural é espetacular e respeitável, mas de resto a história não marca o leitor ou não me marcou de maneira nenhuma. Como Drummond diz em Claro Enigma (não é exatamente assim): “do que vale a estética se não emociona.
7] Corpo fechado
Um dos contos que mais gostei
A fim de explicar o que era sangue de Peixoto, o narrador conta a história de um homem que sempre vivia bêbado e quem o salvava nesses dias era sua mula, muitíssimo estimada por ele, e que ele não vendia por nada. Até que um homem insulta sua honra e ele pega grande raiva do sujeito. Com isso, um feiticeiro chega e fecha o corpo do homem em troca da mula dele. Fechar o corpo evitava que o homem morresse de tiro e foi aí que ele, com raiva e com o corpo fechado, mata seu adversário e se casa.
Vira, a partir daí, o valentão da cidade. Essa foi uma das histórias que li mais rapidamente e chega a ser bem engraçada. A sociedade rural e suas relações de chefia (tipo xerife) são abordadas de forma bem-humorada.
8] Conversa de bois
Essa história também é bem interessante. Os bois e seus pontos de vista quanto aos homens são muito bem entrelaçados com a poesia de Drummond, um boi vê homens. Ambos adotam o mesmo desprezo para com a raça humana e sua maneira de pensar. Os bois até ficam tristes, pois, de tanto conviver com a espécie humana, acabam conseguindo pensar um pouco como eles.
Interessante o caso de um boi que exalta o pensamento dos homens e sua esperteza e diz que já conseguiu alcançar o mesmo nível de raciocínio dos homens. Pena que é ele mesmo que morre dentre todos os bois.
No meio disso, a história tocante de um menino que tinha o pai cocho que acabou morrendo. Enquanto vivia, o pai do menino sofria muito, pois sua mulher o traia com outro homem bem na cara de seu próprio filho. O menino tem um ódio muito grande desse homem e os bois também. Até que, quando eles estavam levando os bois para pastar, os bois perceberam que se o carro se movesse mais rápido o homem morreria e foi assim que eles mataram o homem.
Uma outra parte desse conto se parece muito com a poesia de Drummond Cantiga de Enganar, nessa parte os bois desprezam os nomes que os homens lhe deram negando-os veementemente e colocando em voga sua força perante a situação. Essa história também flui bem mesmo que a história seja um pouco triste e as coisas demorem um pouco de acontecer. Em contrapartida, acompanhar tudo sobre a visão dos animais é, além de inovador, bem interessante.
9] A hora e a vez de Augusto Matraga
Essa história é a mais conhecida e conta a história de um homem que, resumindo, era muito mau e, depois de quase morrer, se torna muito bom e acab defendendo uma vila e morrendo para salvar as pessoas.
O que se aborda muito sobre esse conto é a quebra com o maniqueísmo em que um homem antes mal se torna bom, mas não deixa de ter características más o que destrói aquela ideia de que ou a pessoa é boa ou má.
Em resumo, foi um livro difícil, principalmente no princípio. Depois, fui me acostumando, mas não foi um livro que gostei de ler. O trabalho do narrador é muito grande, mas “não comove” muito.
Queria ter gostado mais, mas percebo as características que tornam essa obra especial.