Toni 29/04/2019
“Poesia tem de ser pouca”, disse certa vez Manoel de Barros ao escritor Valter Hugo Mãe, que pretendia publicar uma edição de seus “Poemas completos” em Portugal. Por insistência do cuiabano, o livro acabou não sendo a “edição imponente” planejada, mas uma modesta antologia de 30 poemas. No íntimo, sempre concordei com essa ideia do Manoel, mas nunca fui articulado o suficiente para elaborá-la em 5 palavras: Volumes Grandiosos de Poesias Completas (assim maiúsculos) via de regra me deixam aflito, tanto por minha inaptidão confessa para ler poesias quanto pela premência de virar a página que acompanha os calhamaços. Leitura de poemas exige tempo, ruminação, repetição e, mais importante, desaprendizagem, ou seja, disposição para aproximar-se renovado de “um azul em abuso de beleza”, do “passado obscuro das águas”, ou do “morrer que tem uma dor de árvore”. Acho difícil fazer isso por 300 páginas sem fim.
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Manoel de Barros é o poeta “encantador de palavras” (título de um de seus livros). Um a-gramático que nos surpreende com “ele me árvore”, que “se entardece” e pede desculpas. Ensina a desinventar objetos, a voar fora da asa, a escutar o outono no chão de sua voz. Ele cria poemas nos deslimites das palavras com uma didática que ensina simplicidade, mestra do mestre heteronímico Alberto Caeiro. Articula um mundo desarticulado pelo espanto de se descobrir mundo (e este não é apenas um jogo bobo de palavras, mas modus operandi do poeta). Nas palavras de Mãe para o prefácio desta edição: “Manoel de Barros sabe por candura e não por academia”. E isso talvez seja toda a diferença.
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Com poucos poemas, uma cronologia simpática, algumas fotografias e cartas de amigos (como Millôr, Mindlin, Houaiss), esta edição do ‘Livro das Ignorãças’, verdadeiro objeto de culto à lentidão, é um convite ao universo pequeno e infinito de um de nossos maiores poetas. Poesia que colhe do mundo a revolução silenciosa e transformadora da delicadeza.