Polly 14/04/2020
Crepúsculo e a performance do amor (#107)
Como toda boa adolescente da primeira década dos anos 2000, eu li Crepúsculo. Tenho que dizer que minha relação com a série não começou da melhor forma possível, já que, antes de iniciá-la, eu tinha lido numa revista qualquer que Crepúsculo prometia ser melhor do que Harry Potter, que àquela altura já tinha tido o seu desfecho. Fiquei bastante indignada com aquela matéria, nada podia ser melhor do que Harry Potter na minha cabeça daquela época. É claro que meu lado potterhead foi um pouco responsável pela minha relutância para com Crepúsculo, mas eu tinha meus motivos para ter um pé atrás com a saga e essa releitura me fez ver o que era.
Espero que entendam que eu nunca fui hater da história. Pelo contrário, li todos os livros (exceto Lua Nova que era deprimente demais até mesmo para o meu eu leitora adolescente ~arrogante~, enfim, preferi esperar pelo filme). Mas, o fato é que eu nunca acreditei muito no amor entre Edward e Bella. Para se ter noção, sempre torci para que Bella escolhesse o Jacob, sempre o achei muito melhor do que o vampiro. Achava Edward sinistro demais, além de ser gelado e duro como uma pedra (credo!).
No entanto, essa releitura me fez ver que a Bella não fica muito para trás. Ela é tão obsessiva pelo Edward, quanto ele é por ela. Também não gosto da extrema dependência que um tem do outro, sobretudo no que diz respeito a Bella. A garota parece frágil demais, vulnerável demais, sempre pronta a cair dez lances de escada (e morrer) se o vampiro não estiver ao lado. Fora que Edward parece estar sempre a ponto de matá-la. E isso é meio assustador para uma história de amor, mesmo que seja uma história sobre vampiros.
No início do livro, quando o casal ainda está se apaixonando, Edward fala o tempo inteiro que ele é um vilão, que ele é do mal, essas coisas. Se um cara fala isso para mim, eu fujo dele como o diabo foge da cruz, porque, no mínimo, é um louco. E a Bella? Faz o quê? Claro que ela se apaixona! Como não?!
Já o Edward parece estar sempre obcecado em saber o que Bella está pensando, ele é tão controlador que chega a sufocar até mesmo quem só está lendo a história, não sei como não a sufoca também. E seu interesse por ela parece vir justamente do fato de que a Bella é o único ser humano em que seus poderes não funcionam. De certa forma, ele se sente desafiado, a humana pisa no calo do vampiro. Com tudo isso, Bella se sente especial, se sente com a vaidade massageada. A relação dos dois, às vezes, parece mais é uma luta de egos.
O que eles sentem um pelo outro não é amor. Pelo menos, para mim, não é. Acredito que o amor é algo muito maior do que essa dependência/obsessão que livros, filmes e novelas exaltam o tempo todo. Amor é transcendência e nunca utiliza o outro como muleta para estar de pé. Paixão sem amor é opressão e, inevitavelmente, acaba mal, porque ela te faz fazer coisas pelo outro, que claramente não podem te fazer feliz. Claro, não nego que, por amor, podemos fazer os mais inimagináveis sacrifícios, mas só por paixões obsessivas anulamos nossa própria história. Quantos falsos amores nos fazem sofrer tormentos inúteis? Sobretudo, a nós, mulheres, que costumamos a ser ensinadas que amar é sacrificar o próprio eu, que amar é apagar a própria história. Vale tudo para ter e conservar a atenção (nas muitas das vezes, irrelevante) de um homem. Como se devêssemos ser eternamente gratas por um homem simplesmente ter nos visto.
O Amor é muito maior do que isso. Amor é algo muito mais sagrado do que uma simples dependência do outro, Ele é muito mais do que migalhas de atenção. Considero-me, sim, uma pessoa romântica, mas não sou muito de me envolver com amores como o de Edward e Bella. Tais histórias fazem-nos acreditar ser possível que o Amor seja algo mágico que pode surgir do nada, através de uma coisa simples como um olhar. Não, Amor definitivamente não é confundir a pessoa amada com o oxigênio que se respira. Prefiro histórias de amor como a de Eliza e Tao Ch'ien, de A Filha da Fortuna, de Isabel Allende, onde o sentimento é construído gradativamente em cima de um alicerce forte chamado amizade, sem esquecer do mútuo respeito, aliás. Amor com pressa é desejo, e este tem o defeito de ser efêmero e volátil. Sempre muda.
Gostaria que escritoras de histórias românticas, como a Meyer (que acho talentosíssima, aliás. Leiam A Hospedeira), começassem a desconstruir essa ideia de amor romântico do senso comum. Acho que é uma concepção do Amor altamente limitante. O imaginário humano precisa se libertar da ideia de que depender é amar, sobretudo, o imaginário feminino, que não precisa nem nunca precisou da atenção masculina para ser especial. Tal concepção do Amor nos impede (a homens e mulheres) de alcançar ao Amor de fato, pois acabamos sempre, em qualquer relação, por querer performar papéis que não cabem a esse sentimento.
Enfim, Crepúsculo poderia ser bem melhor se não fosse a história apenas de uma performance do Amor.