stsluciano 10/03/2015
Ok. Pensei muito antes de resenhar este livro por acreditar que, inevitavelmente, questões religiosas teriam de ser abordadas e este não é o caminho que alguma vez pretendi tomar com o blog. Em duas ou três ocasiões já falei – ou mencionei de leve – religião em minhas resenhas, mas sempre de forma a não julgar, desmerecer, ou validar uma como melhor alternativa a qualquer outra.
Por outro lado, a série me trouxe momentos tão bons – já havia lido os volumes um, “Jerusalém”; o três, “Saidan”; o quatro, “Nazareth”; e o cinco, “Cesarea”; e agora resolvi reler todos para enfim terminar com a série, que vai até o nono volume – que achei injusto que não compartilhasse minhas experiências com ela em forma de resenha. Eu sei que vou mexer em um vespeiro, só não sei ainda o tamanho. Então, #MeJulguem
Meu primeiro contato com a série se deu há quase dez anos, quando alguém fez uma doação para a biblioteca da escola onde estudei dos volumes “Saidan”, “Nazareth” e “Cesarea”. Com os livros nas mãos, fiquei intrigado com a sinopse, havia ali, mais até que religiosidade, questões que em atraíram por ser eu o fã de ficção científica que naquela época já era. Depois de uma rápida pesquisa, meu irmão conseguiu na faculdade o volume “Jerusalém”, e pude então ler.
Agora, decidi recomeçar, partir do zero, e ler no espaço de tempo mais curto que conseguir – são nove livros – e não acho que será um trabalho tão grande assim. Benítez escreve bem. Muito bem.
Mas, antes de começar a desenvolver a resenha, acho justo responder a três perguntas que podem facilitar a quem ler que entenda minhas razões e o que nela falo:
Se eu acredito na figura histórica de Jesus? Sim.
Se eu acredito em Jesus como o filho de Deus? Sim.
Se eu acredito na série “Operação Cavalo de Troia” como algo mais que ficção? Não.
Estamos conversados? Então, prosseguindo.
Neste primeiro livro, acompanhamos Benítez até o México, onde uma figura misteriosa fez contato com ele dizendo que havia algo que talvez interessaria ao escritor, já na época um renomado pesquisador de fenômenos paranormais, ufológicos e religiosos. Mas, para ter acesso a tais informações, eles tem de se encontrar pessoalmente. Contato feito, pouco depois Benítez parte para os Estados Unidos, onde tem algumas pistas do local onde as informações estão guardadas, e ali ele percebe o quão importantes são, já que agentes americanos ficam no seu encalço, decididos, ele acredita, a não deixar que saia do país de posse destas informações.
Já aqui Benítez dá mostras do quão talentoso ele é como narrador e quão dono do ritmo do texto demonstra ser. Já nos primeiros capítulos, ele mescla a apreensão e ansiedade de se ele conseguirá ou não encontrar os documentos, com momentos de ação em seu desespero de manter a salvo aquilo que encontra, e humor por seu azar perene. Para sua surpresa e do leitor, o que vê ali é algo inimaginável, então, de volta a Espanha, transcreve o conteúdo dos documentos escritos por seu contato no México. Este é o primeiro livro.
O conteúdo encontrado por Benítez nos Estados Unidos é parte de um relato de uma operação supersecreta das forças armadas norte-americanas, que conseguira descobrir um meio de manipular o tempo através de complicados princípios de física quântica, tornando possível a viagem temporal. Após muito estudo e pesquisa, decidem que a primeira parada da expedição é a Jerusalém da época de Cristo, devendo os dois militares que nelas partissem tomar conhecimento dos fatos que aconteceram e que – se não me falha a memória – vão da triunfal entrada de Cristo em Jerusalém, até a crucificação; sem contudo, tomarem qualquer atitude que possa alterar o fatos.
Faziam parte da etapa prática da missão duas pessoas, um piloto, chamado de Eliseu, e o Major, que entregara a Benítez seu relato da missão, e que nela era chamado de Jasão, ambos já situados no que diz respeito aos costumes da época, vestidos como as pessoas se vestiam, e fluentes em idiomas como o grego e o aramaico. Enquanto Eliseu permanece no módulo que os transportara, Jasão deveria seguir em busca de acompanhar os atos de Jesus e dos apóstolos, tendo como primeiro objetivo encontrar a residência de Lázaro, o amigo que Jesus trouxera de volta dos mortos, e onde, com o beneficio dos relatos evangélicos, o controle da missão já sabia que o próprio Cristo estaria dentro de pouco tempo. Não há dificuldades em encontrá-la, todos sabiam acerca da ressurreição, Jasão é bem recebido e ali aguarda pela chegada de Jesus. Seu primeiro contato com aquele que ora chama de Mestre, ora de Galileu e Gigante, é um dos momentos mais ternos da narrativa do primeiro volume, assim como a conversa abaixo:
— Jasão, amigo, que se passa contigo? [disse Jesus]
Aquela descoberta voltou a mergulhar-me em confusão. O Mestre, sem sequer me olhar e sem esperar por uma resposta — que tipo de resposta lhe poderia dar? — continuou, num tom de cumplicidade que logo adivinhei.
—... Estás aqui para dar testemunho e não deves desfalecer.
— Então sabes quem sou...
Jesus sorriu, e pondo-me o seu comprido braço nos ombros, apontou a porta do jardim, onde ainda os seus discípulos montavam guarda.
— Passará muito tempo até que eles e as gerações vindouras compreendam quem sou e porque fui enviado por Meu Pai... Tu, por vires de onde vens, estás mais perto do que eles da Verdade.
Sem querer fazer resumo dos fatos, Jasão faz contato com Jesus e seus apóstolos, acompanha de perto os fatos daquela semana, graças a hospitalidade do povo judeu, e ficamos sabendo de tudo através de seu relato. Não é sobre isso que quero falar.
O ponto aqui é aplaudir o trabalho de pesquisa de Benítez. Todo o livro é recheado de notas de rodapé que nos situam sobre todos os aspectos possíveis referentes à sociedade israelense da época e perante as quais inevitavelmente Jasão irá se confrontar, como medidas de peso, distância, área, volume, costumes sociais, palavras, rituais, comidas, enfim, tudo é muito bem explicado nessas notas e não nos deixam flutuando na narrativa. Assim como a construção histórica e a descrição dos ambientes. A Jerusalém vista pelos olhos de Jasão nos é descrita em pormenores, e não só aspectos arquitetônicos, mas também sociais, e culturais, e isso contribui muito para a experiência que se tem com o livro.
Tenho um conhecimento bíblico bastante limitado, mas há um consenso no que diz respeito que a narrativa de Benítez difere bastante da tradição cristã, e no livro vemos passagens importantes, como a entrada no Templo, a audiência com Pilatos, a Via Crúcis. Um exemplo é o fato de, segundo a série, os apóstolos portarem armas e terem um perfil psicológico mais explosivo, além de não entenderem completamente o que lhes diz seu Mestre, acabando sempre por ficarem alheios ao sentido da mensagem que o Galileu gostaria de passar.
De toda forma, acredito que o livro é muito melhor aproveitado quando encarado como obra de ficção. E ponto. Fazendo isso o leitor tem a chance de se libertar de preconceitos e ideias preestabelecidas, podendo absorver melhor o que é narrado. O que não é tão fácil. Apesar de ter tomado esse caminho, não pude deixar de me emocionar uma porção de vezes, de não sentir uma ternura enorme pela figura de Jesus – que é, até certo ponto, o Jesus como eu o imagino: olhar penetrante, sorriso largo, abraço afetuoso – e de não sofrer com ele e os seus durante seu martírio.
No fim, recomendo a leitura. E não somente aos que creem. É literatura de primeira grandeza, bem estruturada, bem narrada, e ainda embasada em fatos que moldaram o mundo como ele é. Ninguém tem que terminar a leitura e acreditar que tudo ali fora real. Ao contrário. E, para quem gosta de narrativas históricas, é um prato cheio.
(…) que é o Amor?
— Dar.
— Dar? Mas o quê?
— Dar. Desde um olhar até à tua vida.
Nem falei tanto de religião quanto imaginava que o faria. Melhor assim!
site: http://www.pontolivro.com/2014/04/operacao-cavalo-de-troia-1-jerusalem-de.html