Lucas 20/02/2016
Alexandre Dumas: escritor ou arquiteto?
Um livro genial, formidavelmente bem escrito e amarrado. Nenhum indivíduo pode se autodenominar fã de aventura sem ter lido este clássico de Alexandre Dumas. Em suas quase 700 páginas, a história corre frenética e cinematograficamente; há a sensação de que sempre algo importante esteja ocorrendo, seja uma missão, uma espionagem, um mistério ou um encantamento passional.
Fui apresentado oficialmente a Alexandre Dumas na leitura de “O Conde Monte Cristo”, outro livro fabuloso do autor francês. Não faz sentido algum comparar uma obra com a outra, mas é relevante destacar que “Os Três Mosqueteiros” é um livro menos profundo e abrangente, sem deixar de possuir um grande “arcabouço” literário. Há nele mais ação, com mais frequência, mas com menos filosofia e reflexões, que são aspectos que enriquecem profundamente a obra “O Conde de Monte Cristo”. De todo modo, ambos são espetaculares em seus propósitos, o de entreter, que era o objetivo fundamental de Dumas ao produzir uma história. Finalizando essa pequena discussão, o autor, de acordo com a magnífica edição comentada e ilustrada da editora Zahar, pessoalmente gostava mais de “Os Três Mosqueteiros”, o que explica em parte a sua tendência histórica em se afastar um pouco da literatura “chique e requintada” propriamente dita da época, mas sempre produzindo obras que entretinham, sem se ater necessariamente a nenhum paradigma literário ou corrente de pensamento social ou filosófica.
É muito desafiador tentar reproduzir em palavras a genialidade da obra. Ela reside no contexto, nas entrelinhas, nas situações inusitadas, no humor sempre muito presente, e, principalmente, nos valores morais de honra, amizade, companheirismo e sacrifício, tão bem expostos na amizade entre os 4 protagonistas. Dumas (com seus eventuais “parceiros literários”) foi muito feliz ao escrever uma história que mescla todos estes aspectos a um leve, mas presente, tom soturno, sombrio, já que os vilões são de uma astúcia ímpar. No entanto, os mosqueteiros são personagens únicos, com personalidades distintas e facilmente distinguíveis, desde as primeiras dezenas de páginas (esse fato é um mérito da narrativa, concisa, clara e nem um pouco cansativa). D'Artagnan é um dos maiores personagens literários da história, com alguns defeitos, mas extremamente virtuoso, leal e amigo; um jovem cheio de disposição a fazer o bem, cumprindo com hombridade aquilo que se propõe a fazer. Seus três amigos são igualmente leais, e partilham do mesmo senso de justiça. Além disso, eles são introduzidos à história de uma forma muito natural e inteligente, aos poucos, sem descrições simétricas e individuais de cada um.
Diante de tantas singularidades, não é exagero imaginar que Dumas não foi apenas um escritor famoso; acima de tudo, o francês foi um (ótimo) arquiteto, que usava pena, tinta e papel para construir obras de arte, maravilhosamente proporcionais ao fascínio arquitetônico despertado pelo atual Museu do Louvre, por exemplo. Por isso, o livro é um deleite histórico, recheado de ação, humor e aventura, fazendo com que ele seja um dos maiores clássicos literários que o o mundo já produziu.
Em resumo, “Os Três Mosqueteiros” não pode ser visto unicamente como um clássico de aventura, assim como Dumas pode ser encarado como um “arquiteto literário”, que elabora um livro da mesma forma que um artista trabalha em uma escultura. Recomenda-se, a partir da definição de que “Os Três Mosqueteiros” é uma obra de arte, que o leitor tenha ao menos um conhecimento raso da história da França e da Grã-Bretanha no início do século XVII, sobretudo no que diz respeito ao rei Luís XIII, à rainha Ana de Aústria, ao cardeal de Richelieu, ao duque de Buckingham, entre outras personalidades, que realmente existiram e que são fundamentais à história contada. Esta compreensão básica permite que o livro não seja apenas lido ou “devorado”, mas antes de tudo, admirado, em função de sua fascinante e rica singularidade literária. Um segundo e último conselho reside no fato de que o livro “abraça” o leitor. Ao fim da leitura, será difícil o leitor não imaginar como seria fantástico cavalgar com d´Artagnan, compartilhar um vinho com Athos, jogar dados com Porthos ou debater questões religiosas com Aramis. Mas ao voltar à realidade, o leitor guardará o livro para sempre, relendo-o inteiramente várias vezes ou alguma de suas passagens para manter vivo este desejo utópico.