Felix 17/09/2022
Uma festa inesperada
É engraçado como a vida é. Com meus quinze anos, eu era um jovem desacreditado de leituras. Eu passei minha infância e minha adolescência sem ler, porque eu tinha medo, vergonha, porque eu gaguejava e por vezes foi tratado como burro ou como preguiçoso. A leitura para mim foi uma inimiga terrível e, por vezes, eu fingia ler por obrigação escolar. Poderia fingir que não tenho magoas pelas formas que meus professores e minha mãe trataram um problema tão corriqueiro que se resolveria com psicólogo e com atenção a minha autoestima. Lembro de uma professora, Márcia, ao qual nunca gostei e sempre imaginei que o desprezo fosse recíproco. Sua insistência insuportável em um português nojento e desdenhoso de uma elite ao qual não pertencia, moldou um desejo de nunca fazer Letras. Enfim, sou formado em Letras e continuo com a mesma ideia. Tenho pavor da falsa elite intelectual e suas raízes corrosivas.
Ler não é natural. Nós, leitores, gostamos de fingir que é, pois isso nos torna mais humanos do que o outros, pois assim alguém que não possui a habilidade é nada mais do que um párea. Não, a linguística sabe bem que a escrita e a leitura são mecanismos criados. De tal modo, a habilidade de leitura se molda conforte o treinamento, então por que tratar uma criança como burra, ao não sabe ler um texto?
Eu fui vítima de um sistema estúpido, mas tive sorte. Em dois momentos, quando li meu primeiro livro: A fantástica fábrica de chocolate, de Roald Dahl e quando li O hobbit, de J.R.R. Tolkien. É bem verdade que aos doze comecei a ler quadrinhos, mas isso ficará em escanteio por hora. O hobbit é uma história fascinante, uma aventura como os RPG que aprendi a gostar. É verdade que tantas vezes li esse livro em voz alta pensando que estaria lendo para um filho e isso me despertou um sentimento que tenho em mim ainda. Cada vez que leio um livro infantil, que pesquiso e leio para crianças é como voltar no tempo e dizer ?Gabriel, você não é um mal leitor, livros são tão para você quanto para qualquer um?. Porque para mim, a literatura é a liberdade que nós não podemos ter. E é por isso que tenho pavor da mecanização das artes e da língua. Eu odeio a competição de leitura ?Quantos livros você lê por ano??, ?Quantas páginas você lê por dia??. Eu odeio a insistência de mostrar uma intelectualidade: ?Eu só gosto de Caeiro?. Eu gosto é de quem tem pé no chão e não tem vergonha de dizer que ama a alta ?baixa literatura?. Sem medo de ser julgado. Não milito contra os clássicos, alguns são ótimos e eu os adoro, mas contra todos os que do alto de sua soberba mente para tornar-se maior do que sua pequeneza permite. Isso é para você, Márcia.
Tolkien é um mestre e um clássico, mas também é para mim uma libertação.