Crítica, eu? 19/02/2019
O Último Policial
O Último Policial, de Ben H. Winters, é um livro que tem a pouco comum pretensão de unir romance policial e ficção científica. Num cenário apocalíptico em que um asteroide está prestes a colidir com a Terra e destruir o planeta, o policial Henry Palace depara-se com um caso aparente de suicídio. Convencido de que o homem morto encontrado no banheiro de um McDonalds foi vítima de um assassinato, o detetive inicia uma investigação para encontrar o culpado enquanto tenta provar aos seus colegas de trabalho de que realmente houve um crime. A grande questão que todos levantam ao detetive Palace é: por que investigar um crime e preocupar-se em prender o culpado se, em 6 meses, quando o asteroide colidir com a Terra, tudo estará acabado?
A obra de Ben H. Winters tem uma proposta muito inovadora quando se propõe a representar uma investigação policial no meio de um cenário pré-apocalíptico. A junção das duas coisas acabou se tornando meio distópica, porém interessante. O Último Policial, para além de uma narrativa criminal, narra conspirações e ficção científica. Em nenhum momento o autor se perde no enredo, conseguindo unir as duas perspectivas muito bem. Henry Palace, o protagonista, lida com uma investigação em andamento, com a descrença das pessoas ao seu redor e com a iminência do fim do mundo, tentando convencer-se a exercer seu trabalho mesmo que ele não faça mais sentido. O desencadeamento dos fatos acontece de forma natural e, mesmo que a base da história seja extraordinária, a narração ganha tons críveis quando passa a mostrar a reação das pessoas em relação à iminência do fim.
O Último Policial tem uma narração bem desenvolvida, com velocidade e fluidez. O autor não cria muito mistério nem traz muitas cenas de suspense. A ideia de o mundo estar prestes a acabar já cria tensão suficiente. A obra é dividida em partes que marcam a aproximação do asteroide com a Terra e a evolução do caso policial de forma paralela. Um dos maiores problemas do livro, no entanto, é que os personagens são pouco profundos, não permitindo que o leitor crie muita empatia em relação aos tipos. O protagonista é raso e, por vezes, desinteressante. O livro também tem pouca ação, deixando a sensação de que o tempo está se arrastando.
As relações entre os personagens são outra questão mal resolvida na obra. Não há laços que façam o leitor se envolver com os sentimentos de ninguém. Quando o protagonista se vê envolvido numa situação difícil em um relacionamento, não é possível sentir nada por ele, porque tudo parece estar muito na superfície. Os sofrimentos dos personagens não são transmitidos ao leitor e mesmo a agonia de ver tantas pessoas tentando lidar com o fim do mundo não causa nenhuma emoção. A relação entre Henry Palace e sua irmã é uma grande prova de que as conexões entre os personagens foram pouco exploradas. Nico é a única parente viva do detetive e o relacionamento dos dois parece pouco fundamentado e até solto na narração.
A ideia do enredo de O Último Policial é interessante e inovadora, mas pontos importantes foram negligenciados na obra. Se o autor tivesse conseguido criar personagens mais fortes, o livro teria muito mais impacto, visto que o leitor se veria prestes a perder todos os eles para uma catástrofe iminente. Quando, já no final do livro, o ponto de choque do asteroide com a Terra é descoberto, não há nenhuma comoção, porque ninguém está torcendo para a sobrevivência dos personagens. Ninguém também está torcendo para que morram. Eles são simplesmente passíveis de serem deixados de lado. Ben H. Winters entrou numa mina, mas infelizmente saiu dela com muitos menos ouro do que podia carregar. O Último Policial não é uma obra ruim, mas poderia ter sido muito melhor. A ideia é excelente e criativa, a escrita e a narração são de qualidade. Foram os personagens e seus relacionamentos que tiraram tantas pedras preciosas da história. Ainda assim, é um título que vale a pena ser lido.
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