Alle_Marques 31/03/2024
"Se eu não for ao inferno, quem irá?"
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[...] Há mais de vinte anos afirmei sem o menor pudor: escrevo para mim mesmo. Naturalmente, escrever para se redimir pode ser considerado escrever para si mesmo, mas não basta; penso que também devo escrever tanto para aqueles que eu feri como para aqueles que me feriram. Sou grato a estes porque, a cada vez que me ferem, me fazem lembrar dos que eu mesmo feri. [...]
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Ainda no início da leitura não imaginei que no final fosse gostar tanto, começa meio lento, desde o início com muitas questões políticas e culturais, e isso sem falar nos nomes, chega a ser difícil lembrar quem é quem, mas conforme a leitura avança e a história vai se desenrolando tudo fica mais fácil. Terminei gostando bastante e com o gostinho de clássico na boca.
Acompanhar a história do Corre Corre, Wan Coração e da própria china rural nesse período é uma aventura única e marcante, apesar disso, é bem difícil em muitos momentos, tanto pelas questões polêmicas em alta na época, tanto pela forma como Mo Yan escolheu abordar elas, de forma crua e realista, sem tentar justificar, romantizar e esconder nada, sem apontar dedos e nomear heróis e vilões, mostrando tanto o lado do governo, seu motivos e objetivos, quanto o do povo, seus egoísmos e imprudências, tanto o lado da china desenvolvida quanto o da china camponesa, do Planejamento Familiar e das próprias famílias afetadas por ela, e, principalmente, abordando e trazendo luz sobre os motivos pelos quais uma ação tão radical quanto a da "Política do Filho Único" passou a existir e as consequências diretas e indiretas dela, sejam elas boas ou ruins, afinal, se por um lado a liberdade das pessoas, especialmente a reprodutiva, era tomada, por outro, as crianças nascidas conseguiam crescer mais seguras, com menos risco de passar fome e sofrer negligencias, com muito mais atenção e cuidado dos pais e familiares.
É um bom livro pra sair da zona de conforto e ajudar refletir com propriedade sobre assuntos tão complexos, desde o aborto, por escolha ou forçado, a liberdade individual e a constituição familiar, o poder dos governos e a lealdade cega a eles, o machismo, a resistência, a culpa, a injustiça, a vida, a morte e o egoísmo humano, mas, principalmente, refletir sobre o progresso, ou melhor, sobre o preço necessário para ele existir e quem, na realidade, são as pessoas que pagam por ele.
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[...] Quando penso em você, meu coração se parte…
quando penso em você, quero chorar mas as lágrimas não saem…
quero escrever, mas não sei o endereço, quero cantar, mas não lembro a letra…
quero beijar, mas não acho sua boca, quero abraçar, mas não acho você… [...]
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9° Livro de 2024, 11ª Resenha de 2024
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