Quel Ratajczyk 28/01/2023
É crime roubar para comer?
É crime roubar para comer? Essa reflexão chegou até mim por diversas vezes na vida e sempre fui da opinião de que sim, é crime. No entanto, posso dizer que mudei de lado com a leitura de "Os Miseráveis", de Victor Hugo.
Jean Valjean, o protagonista dos protagonistas, é preso e condenado às galés por roubar pão para alimentar sua irmã e seus sobrinhos. Daí em diante, o prisioneiro tenta fugir e tem sua pena em muito aumentada. Quando finalmente consegue forçar sua liberdade, o personagem se vê marginalizado, tendo, talvez, a miséria como principal aliada.
No entanto, entre idas e vindas, Jean Valjean tem experiências que o transformam em uma pessoa completamente diferente, muito por influência do Bispo Benvindo. Ele já não era uma pessoa ruim, mas agora adquire uma retidão de caráter quase religiosa.
Em cinco partes, diversas linhas narrativas se cruzam e compõem a trama principal, desde a história do bispo e de Fantine até a caracterização das batalhas e dos ladrões de Paris, tudo contribui para a trama principal de Jean Valjean, narrada até os últimos tempos de vida do protagonista.
A dicotomia entre justiça e injustiça é, para mim, a principal reflexão que o livro traz. A exemplo, o personagem Javert, inspetor de polícia, representa a justiça sem corrupção por parte do Estado e tem seu declínio justamente quando percebe que as leis nem sempre são justas. Verdade seja dita, odiei esse personagem boa parte do livro, mas ele estava fazendo seu trabalho e teve sua redenção.
Outro ponto que me chamou atenção são os diversos momentos em que a juventude e a velhice são postas frente a frente, respectivamente, nas figuras de Cosette/Marius Pontmercy e Jean Valjean/Gillenormand. Enquanto os primeiros descobrem o amor, os últimos aproveitam-se do que lhes resta de vida.
Destaco mais uma vez a descrição que Victor Hugo faz da marginalidade de Paris e dos Thénardier. Quando essa parte começou, eu não entendi muito bem a ligação, porém, com o desenrolar dos fatos, tudo fez sentido (essa sensação de estar perdida e depois tudo se encaixar aconteceu várias vezes durante minha leitura). A figura de Gavroche, filho tardio dos Thénardier, é encantadora: miserável, mas com um alto astral louvável.
No que diz respeito à dinâmica de leitura, Os Miseráveis é uma aventura também para o leitor, que precisa ter fôlego. A narrativa tem altos e baixos com grandes partes descritivas mescladas com a ação, mas tudo flui. As 1,5 mil páginas me ocuparam entre abril de 2022 e janeiro de 2023, com leituras espaçadas em meu tempo livre (inclusive, segurei choro diversas vezes enquanto lia na esteira da academia). O volume assusta, mas a história te envolve profundamente. Recomendo fortemente a leitura.
Uma coisa mais: na reta final, foi difícil deixar o livro de lado. Minha tremedeira começou com o fim de Javert, foi se intensificando e quando terminei de fato a história estava chorando compulsivamente, não conseguia sequer verbalizar o porquê quando foram me consolar. É muito bonito e profundo, fiquei tremendamente tocada por essa história e tiro do enredo diversos exemplos de vida.