Larissagris 14/04/2020SENHORA - JOSÉ DE ALENCAR"Por isso mesmo considerava o ouro um vil metal que rebaixava os homens; e no íntimo sentia-se profundamente humilhada pensando que, para toda essa gente que a cercava, ela, a sua pessoa, não merecia uma só das bajulações que tributavam a cada um de seus mil contos de réis." (Pág. 15)
"Há muitas mulheres assim, a quem um perfume de tristeza idealiza. As mais violentas paixões são inspiradas por esses anjos do exílio." (Pág. 17)
"Então não sabe, dona Firmina, que eu tenho um estilo de ouro, o mais sublime de todos os estilos, a cuja eloquência arrebatadora não se resiste? As que falam como uma novela, em vil prosa, são essas moças românticas e pálidas que se andam evaporando em suspiros; eu falo como um poema: sou a poesia que brilha e deslumbra!" (Pág. 20)
"Operava-se nela uma revolução. O princípio vital da mulher abandonava seu foco natural, o coração, para concentrar-se no cérebro, onde residem as faculdades especulativas do homem." (Pág. 27)
"Esquece que, desses dezenove anos, dezoito os vivi na extrema pobreza e um no seio da riqueza para onde fui transportada de repente. Tenho duas grandes lições do mundo: a da miséria e a da opulência. Conheci outrora o dinheiro como tirano; hoje o conheço como um cativo submisso. Por conseguinte devo ser mais velha do que o senhor, que nunca foi nem tão pobre, como eu fui, nem tão rico, como eu sou." (Pág. 30)
"Trata-se de uma moça, sofrivelmente rica, bonitota, a quem a família deseja casar quanto antes. Desconfiando desses peralvilhos que por aí andam a farejar dotes e receando que a menina possa de repente enfeitiçar-se por algum dos tais bonifrates, assentou de procurar um moço sisudo, de boa posição, embora seja pobre; porque são justamente os pobres que sabem melhor o valor do dinheiro e compreendem a necessidade de poupá-lo, em vez de atirá-lo pela janela fora como fazer os filhos dos ricaços." (Pág. 51)
"No altivo realce da cabeça e no enlevo das feições cuja formosura se toucava de lumes esplêndidos, estava-se debuxando a soberba expressão do triunfo, que exalta a mulher quando consegue a realidade de um desejo férvido e longamente ansiado." (Pág. 79)
"Vendido sim; não tem outro nome. Sou rica, muito rica, sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava no mercado; comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento." (Pág. 87)
"Creia, minha mãe; o desejo de conservar-me digna do homem a quem amo me protegeria melhor do que um marido do acaso." (Pág. 109)
"[...] porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos." (Pág. 115)
"Debalde Aurélia refugiou-se nos primeiros sonhos de seu amor. A degradação de Seixas repercutia no ideal que a menina criara em sua imaginação e imprimia-lhe o estigma. Tudo ela perdoou a seu volúvel amante, menos o tornar-se indigno de seu amor." (Pág. 118)
" - Não me pertenço, senhor Abreu; se algum dia pudesse arrancar-me a este amor fatal, e recuperar a posse de mim mesma, creia que teria orgulho em partilhar a sua sorte." (Pág. 118)
"Não careço dizer-lhe que amor foi o meu, e que adoração lhe votou minha alma desde o primeiro momento em que o encontrei. Sabe o senhor, e, se o ignora, sua presença aqui nesta ocasião já lhe revelou. Para que uma mulher sacrifique assim todo seu futuro, como eu fiz, é preciso que a existência se tornasse para ela um deserto, onde não resta senão o cadáver do homem que a assolou para sempre." (Pág. 131)
"No meio das reflexões acerbas que lhe despertara a recordação da cena recente, das revoltas por muito tempo contidas de sua dignidade contra o orgulho da mulher que o humilhava, flutuava um sentimento que afinal se desprendeu do turbilhão de seus pensamentos e o dominou. Esse sentimento era a intensa admiração que lhe inspirava a energia e veemência do amor de Aurélia. Havia nessa paixão que o acabava de insultar uma beleza fera, que lhe incutia entusiasmo cheio de espanto." (Pág. 139)
"E essa mulher que se deu a mim com a mais sublime abnegação, essa mulher a quem a sorte ligou-me eternamente, essa mulher única, eu a admiro, e não posso amá-la nunca mais! Encontrei-a em meu caminho, e perdi-a para sempre! Também não amarei outra. Depois de a ter conhecido, não profanarei minha alma com a afeição de mulher alguma." (Pág. 140)
"O casamento é geralmente considerado como a iniciação do mancebo na realidade da vida. Ele prepara a família, a maior e mais séria de todas as responsabilidades. Atualmente esse ato solene tem perdido muito de sua importância; indivíduo há que se casa com a mesma consciência e serenidade, com que o viajante aposenta-se em uma hospedaria." (Pág. 161)
"A riqueza também tem a sua decência. Casou-se com uma milionária, é preciso sujeitar-se ao ônus da posição. Os pobres pensam que só temos gozos e delícias; e mal sabem a servidão que nos impõe esta gleba dourada. Incomoda-lhe andar de carro? E a mim não me tortura este luxo que me cerca? Há cilício de clina que se compare a estes cilícios de tule e seda que eu sou obrigada a trazer sobre as carnes, e que me estão rebaixando a todo instante, porque me lembra que, aos olhos deste mundo, eu, a minha pessoa, a minha alma, vale menos do que esses trapos?" (Pág. 163)
"Suponha que a senhora não possuísse esta bela e opulenta madeixa, suntuoso diadema como não o tem nenhuma rainha, e que fizesse como as outras moças, que compram os coques, as tranças e os cachos. Não teria decerto a pretensão de que esses cabelos comprados lhe nascessem na cabeça, nem exigiria razoavelmente senão uns postiços. O amor que se vende é da mesma natureza desses postiços: frocos de lã, ou despojo allheio." (Pág. 169)
"Dizem que a água no vinho faz de duas bebidas excelentes uma péssima. O mesmo acontece à mistura da virtude com o vício. Torna o homem um ente híbrido. Nem bom nem mau. Nem digno de ser amado; nem tão vil, que se lhe evite o contágio." (Pág. 177)
"Eu?... Não me importaria que ele fosse Lúcifer, contanto que tivesse o poder de iludir-me até o fim e convencer-me de sua paixão e inebriar-me dela. Mas adorar um ídolo para vê-lo a todo instante transformar-se em uma coisa que escarnece e nos repele... É um suplício de Tântalo, mais cruel do que o da sede e da fome." (Pág. 177)
"A culpa não é dele, dona Firmina. [...] De quem o fez rico, não o tendo educado para a riqueza. O ouro desprende de si não sei que miasmas que produzem febre, causam vertigens e delírios. É necessário ter um espírito muito forte para resistir a essa infecção; ou então possuir algum santo afeto, que o preserve do veneno, sem o que se sucumbe infalivelmente." (Pág. 189)
"Não é um mal; muitas vezes torna-se um bem; mas em todo caso é um perigo. Aqueles que se exercitam em jogar as armas pensam que tudo se decide pela força. O mesmo acontece com o dinheiro. Quem o possui em abundância persuade-se que tudo se compra." (Pág. 189)
"O ciúme não nasce do amor, e sim do orgulho. O que dói nesse sentimento, creia-me, não é a privação do prazer que outrem goza, quando também nós podemos gozá-lo e mais. É unicamente o desgosto de ver o rival possuir um bem que nos pertence ou cobiçamos, ao qual nos julgamos com direito exclusivo, e em que não admitimos partilha. Há mais ardente ciúme do que o do avaro por seu ouro, do ministro por sua pasta, do ambicioso por sua glória?" (Pág. 215)
"Quer saber minha opinião? Isso que o senhor chama de escravidão não passa da violência que o forte exerce sobre o fraco; e nesse ponto todos somos mais ou menos escravos, da lei, da opinião, das conveniências, dos prejuízos; uns de sua pobreza, e outros de sua riqueza. Escravos verdadeiros, só conheço um tirano que os faz, é o amor; e a este não foi a mim que o cativou." (Pág. 220)