Flavinha 06/11/2020Existem muitas meninas-maravilhas negras no BrasilLogo na primeira linha Bianca Santana se apresenta: "Tenho trinta anos, mas sou negra há apenas dez. Antes, eu era morena". Essas duas frases carregam um universo, uma vida, uma experiência de estar no mundo. Infelizmente, um mundo racista. Bianca escreve seu livro dividindo-o em três partes: Do que vivi; Do que ouvi e Do que pari. Na primeira ela conta sua própria experiência de se descobrir e de se transformar em uma mulher negra, sim, se transformar, porque foi e é um processo diário; na segunda ela conta histórias de racismos cotidianos que atingiram outras pessoas negras e, na terceira, ela inventa histórias não tão fictícias assim. Dessa forma ela denuncia que o racismo está em toda parte, não é um ato isolado, é um ato que atinge toda uma comunidade.
"Quando me descobri negra" conta em pequenos episódios situações cotidianas de racismos, mas também conta as formas variadas de resistências. É um livro sensível e dolorido de ler. Eu, como mulher branca, nunca sentirei aquela dor descrita por Bianca da menina que quer alisar o cabelo para que as amiguinhas queiram brincar com ela ou da mãe vendo a filha negra ser ridicularizada por usar uma fantasia de mulher-maravilha. O que posso realmente sentir é indignação, empatia e solidariedade. Posso vibrar com as conquistas e as demonstrações de resistência, como nas histórias em que Bianca fala do uso do turbante em determinados espaços ser uma demonstração de coragem ou de resgate e conexão com uma força ancestral. Um símbolo de poder.
Na última página a autora pergunta: "Você se lembra de quando foi racista com uma preta ou um preto? Não precisa contar pra ninguém. Só tente não repetir."
Sim, me lembro, e tento não repetir. Busco aprender e ensinar, principalmente minha filha, sobre as diferenças, sobre os nossos privilégios de cor e de classe, e sobre o desejo de viver numa sociedade mais justa e igualitária.
Obrigada, Bianca, por esse texto bonito, forte e reflexivo.