Cris Prates 29/01/2023
A Cinderela brasileira
A pata da gazela, romance de 1870 de José de Alencar, é por muitos considerado A Cinderela brasileira, uma vez que toda a trama gira em torno do fetiche que o personagem Horácio demonstra ter pelo minúsculo pé cuja dona da botina ele almeja conquistar.
Este romance romântico tem todos os elementos presentes naquela escola literária de forma que A pata da gazela nos apresenta em terceira pessoa dois persoangens masculinos, Horácio e Leopoldo e dois personagens femininos, Amélia e Laura. Todos eles pertencem a alta sociedade carioca da época, o que depreendemos através dos ambientes frequentados, das conversas, das aulas de piano e até do sapateiro exclusivo das moças.
A trama se inicia com Horácio vendo um lacaio deixar cair uma botina minúscula ao acompanhar uma moça misteriosa ao seu veículo, o que acende nele um instantâneo desejo de não apenas conhecer a dona dos pezinhos que calçam aquela botina, como também conquistá-la como bom dom Juan que é.
Por outro lado, Leopoldo avista pela janela do tílbure, um sorriso e por ele se apaixona. O amor de Leopoldo, um jovem pálido que guarda o luto por uma irmã é o típico amor descrito no romantismo: grandioso, puro, arrebatador, necessário.
Durante vários capítulos acompanhamos as peripécias de Horácio, personagem que Alencar faz questão de que não gostemos, para descobrir a dona do pezinho e se aproximar dela e existe toda uma trama de mistério, já que nem o leitor sabe de quem é a pequena botina, e para deixar a situação mais complicada, se por um lado temos uma moça de pés minúsculos do outro temos uma moça com pés monstruosos. As palavras de Alencar para descrever esses últimos seriam impublicáveis hoje em dia. Acontece que o sapateiro é contratado para confeccionar tanto o menor calçado quanto as botinas que visam corrigir pés defeituosos. Só não sabemos a quem pertence qual.
Com os exageros e mal entendimentos tão característicos do romantismo criamos uma aversão pelo fetichismo de Horácio e uma complacência pela adoração desmedida e amor puro e sincero de Leopoldo capaz de superar a aparência física da mulher amada em nome do bem maior que é o himeneu sagrado entre duas almas cristãs.
Por favor, não leiam com os olhos de 2023 e muito menos leiam como se aquele texto fosse um retrato exato do século XIX. O leitor daquela época estava acostumado aquele tipo de narrativa, mas não era ingênuo. O romantismo é exagerado per se, então encontramos o moço mais pálido e apaixonado, o moço mais dom juanesco e seu final previsível, o menor pezinho, o pé mais feio. Esses exageros não existiriam se não fosse o romantismo. Nele tudo é muito, tudo é avassalador.
Adorei o romance.
Nota: 4,5