lucasfrk 11/05/2024
O Coronel Chabert ? comentário
?Estive enterrado sob os mortos, mas agora estou enterrado sob os vivos, sob certidões, sob fatos, sob a sociedade inteira, que quer me fazer voltar para debaixo da terra!? (p. 25)
O Coronel Chabert (1844) é uma novela do escritor francês Honoré de Balzac que traz uma narrativa marcada pela cobiça e pela ambição. A obra narra os infortúnios do ex-coronel do exército de Napoleão I, Chabert, dado como morto na Batalha de Eylau (1807), consegue sobreviver e retorna a Paris, miserável e destituído de sua identidade, descobrindo ainda que sua esposa ficará com sua tortura e casara-se novamente. Essa história de um homem, herói das Guerras Napoleônicas, que, como um Odisseu moderno, volta para casa depois de anos na guerra e encontra sua mulher casada e desfrutando de sua fortuna atravessa o âmbito do drama pessoal e do histórico.
?Mas nós, advogados, vemos se repetirem os mesmos maus sentimentos, nada os corrige, nossos escritórios são esgotos que não se podem limpar.? (p. 73)
Como parte integrante da Comédia Humana, os personagens são prototípicos de França em tempos de Restauração, e traz um conflito de gerações, visto que o retorno do protagonista revela uma nova organização social, que volta a ser monárquica após a queda do imperador. Essa nova sociedade, que Balzac descreve, é marcada pela aparência e pelo dinheiro e mostra a fragilidade nada construção identitária dentro dessa sociedade instável. Chabert, sem nome e identidade social, possui um sentimento de não pertencimento, além de ser desumanização pelo fato de não conseguir reaver seus bens, de forma que, destituído de dinheiro, é também destituído de identidade (?? Chabert não! Chabert não! Meu nome é Hyacinthe ? respondeu o velho. ? Não sou mais um homem, sou o número 164 , sétima sala?, p. 72). A narrativa é tensionada pela ambiguidade, pois, no início o leitor é levado a duvidar de que Chabert seja Chabert, muito pelo julgamento prévio das demais personagens (que sempre o qualificam conforme sua indumentária). Se em Ilusões perdidas havia a crítica à profissão jornalística, neste ?romance burguês? é possível notar Balzac criticando vieses jurídicos, uma vez que o mote da trama é essa tarefa ? que alguns chamam de ?kafkiana? ? do advogado Derville, contratado pelo defunto, de provar que este está vivo e recuperar seus bens.
?Chabert estava tão perfeitamente imóvel quanto pode estar uma figura de cera [?]. Aquela imobilidade talvez não houvesse sido causa de espanto, se não estivesse completada pelo espetáculo sobrenatural que o conjunto do personagem apresentava. [?] Sua testa, voluntariamente escondida sob os cabelos da sua peruca lisa, lhe dava um quê de misterioso. [?] O rosto pálido, lívido, talhado a foice, se me permitem usar essa expressão vulgar, parecia morto. [?] As abas do chapéu que cobriam a testa do velho projetavam uma esteira negra no alto do rosto. Esse efeito esquisito, embora natural, punha em relevo, pela brusquidão do contraste, as rugas brandas, as sinuosidades frias, a sensação desbotada dessa fisionomia cadavérica.? (p. 17)
?Gostaria de não ser eu. O sentimento dos meus direitos me mata. Se minha doença houvesse eliminado toda a lembrança da minha existência passada, eu teria sido feliz! Se eu voltasse ao Exército com um nome qualquer, quem sabe não teria me tornado feldmarechal na Áustria ou na Rússia.? (p. 24)
?Os sofrimentos morais, perto dos quais as dores físicas empalidecem, provocam no entanto menos piedade, porque ninguém os enxerga.? (p. 29)