Marcelo Rissi 14/10/2023
O mito de Sísifo (Camus). Desafio revisitado e vencido.
Há alguns anos, desafiei-me a ler a obra/ensaio O mito de Sísifo (Camus). Abandonei (depois de aproximadamente 30 páginas). Lia, lia e não absorvia nada. Todas aquelas reflexões, pensamentos e abstrações eram-me completamente inalcançáveis. Não captava sentido mínimo naquele emaranhado de ideias e, assim, sentia que apenas passava os olhos pelas linhas, sem apreender - e, assim, aprender - nada. Não estava à altura daquilo. Não, ao menos, naquele momento.
Há algumas semanas, desafiei-me novamente à leitura, após uma "provocação" que não foi dirigida diretamente a mim, mas que, lançada durante uma exposição/conversa que aconteceu na Flic em minha cidade (à qual estive presente, como espectador), me atingiu diretamente, fazendo-me eco.
Depois daquela primeira tentativa (há alguns anos), aferrei-me ao livro novamente. Numa trajetória indigesta e avançando a conta-gotas (fazendo, inclusive, um intervalo, com a inserção de uma leitura mais leve), encerrei hoje O mito de Sísifo.
Confesso que terminar uma obra anteriormente abandonada sempre me traz uma sensação de alívio e, mais que isso, de enorme satisfação. É assim que me sinto aqui, agora.
Tenho perfeita noção, claro, de que não captei a íntegra da ideia desenvolvida pelo autor, que publicou essa obra num outro contexto e por meio de uma narrativa dotada de altíssimo grau de abstração. De todo modo, creio que, diversamente do que aconteceu há alguns anos - quando abandonei a obra -, consegui, dessa vez, alcançar algum nível de compreensão. Consegui apreender a ideia central. A essência da mensagem.
Brinquei, ao início da leitura, que se, da outra vez, o problema era o de que eu não entendia nada, dessa vez, o "nó" era o de que eu estava compreendendo. Essa obra, por coincidência ou providência, chegou-me num momento em que eu questionava, no íntimo e em conversas, temas como o absurdo da existência (em toda e qualquer de suas formas ou expressões).
O cerne do livro é, justamente, o absurdo existencial. Ao início, imaginei que, talvez, essa leitura me fizesse mal, justamente pelo momento que vivia e sobre o qual eu refletia a respeito de questões idênticas (a obra conclui que a existência é inexplicável e, justamente por isso, sem sentido e, assim, sob certo ponto de vista, desnecessária).
De todo modo, a partir de argumentos refinados, o autor desenvolveu um potente ensaio por meio do qual sustentou, convincentemente, que a vida vale a pena, apesar da (no seu ponto de vista) absurdez da existência (absurdez essa decorrente da incapacidade humana de compreensão da origem e do "pós", se é que há algum).
O livro trouxe uma mensagem muito mais positiva e edificante àquela que, ao início, imaginei.
Eis um pensamento que, ao lado de tantos outros igualmente reflexivos, me marcou especialmente:
"Um homem é mais homem pelas coisas que silencia do que pelas que diz".
Frase enxuta, ideia gigante. Essa reflexão, atemporal, é especialmente oportuna em tempos em que tanta gente quer ter (e emitir) opinião sobre tudo, inclusive sobre o que não sabe/entende.
Ótima leitura, que recomendo.
Por fim, repito: estou realmente muito feliz por, dessa vez, ter alcançado o fim da obra - com algum grau de compreensão, ainda que mínimo - e, portanto, gostaria de aqui compartilhar essa alegria singela.
Boa leitura!