giulia.costa 14/06/2024
Como ser um homem racional em um mundo irracional?
camus usa o mito de sísifo como metáfora pro absurdo da existência humana (e pro capitalismo)
"Se esse mito é trágico, é que seu herói é consciente. Onde estaria, de fato, a sua pena, se a cada passo o sustentasse a esperança de ser bem-sucedido? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas e esse destino não é menos absurdo. Mas ele só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente."
vivemos imersos no capitalismo emocional que leva à criação de jargões econômicos camuflados de positividade exacerbada, onde dizem-nos para “investir” no bem-estar ou “aproveitar” as crises: produza e será feliz. essa ditadura da lucratividade é um ato de suicídio filosófico, e, portanto, não reflete sobre sua absurdidade. a má notícia é que vivemos num sistema social baseado na exploração e que se vale da alienação. esse é o absurdo. como escapar disso? as três soluções discutidas por camus são o suicídio, a crença religiosa e a revolta. parcialmente argumenta a favor da revolta, pois reconhece o absurdo pelo que ele é.
dá pra imaginar sísifo feliz? camus, partindo da premissa supracitada, o imagina sendo feliz na subida até o alto da montanha, onde seus desejos são instintivos e genuínos. logo, é quando a pedra desce que ele toma consciência das circunstâncias: "Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua condição miserável: é nela que ele pensa enquanto desce. A lucidez que devia produzir o seu tormento consome, com a mesma força, sua vitória. Não existe destino que não se supere pelo desprezo."
baseando-se na própria filosofia proposta por camus, é preciso que sísifo reconheça o absurdo de sua condição ao subir com a pedra, por mais que seja trágico, nossa vida é uma pequena eternidade individual, somos condenados a sofrer inevitavelmente. "a vida devia ter um sentido para ser vivida. Aqui fica parecendo, ao contrário, que ela será vivida melhor ainda se não tiver sentido. Viver uma experiência, um destino, é aceitá-la plenamente. Ora, não se viverá esse destino, sabendo-o absurdo, se não se faz tudo para manter diante de si esse absurdo aclarado pela consciência."
devemos continuar vivendo só de teimosia.
é possível também que sísifo se encontre feliz no momento em que a pedra desce e ele descansa. vai saber o que ele pensava? "recomeça... se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade."... não há como ser plenamente feliz em um mundo desconexo, ininteligível, guiado por um sistema feito pra nos anular, mas é possível achar felicidade nos intervalos. depois de constatar o absurdo nós conseguimos atribuir um significado para a nossa existência, é possível tecer a vontade de viver mesmo diante do medo do caos da existência. “O que é, de fato, o homem absurdo? Aquele que, sem negá-lo, nada faz pelo eterno”.
belchior entendeu bem do que se tratava: mesmo suportando o dia a dia, "amai e mudai as coisas".