Karamaru 30/06/2019
O ETERNO ABSURDO
“O mito de Sísifo: Ensaio sobre o absurdo”, de Albert Camus, é daquelas obras para se ler devagar, meditando longamente em alguns trechos a fim de organizar o raciocínio. Não é uma leitura fácil, mas é, ao mesmo tempo, necessária e gratificante – dificilmente se sairá inerte dela, ainda que alguns questionamentos fiquem abertos ou sejam maximizados ao terminá-la.
Nesta obra, Camus, debruça-se sobre a questão do suicídio. Na verdade, ele procede a uma investigação sobre a gênese do pensamento suicida, e, de início, deixa claro que “julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia”. Alguém ousaria discordar dessa afirmação do pensador francês? Provavelmente não.
Para discutir tema tão complexo, o autor, por repetidas vezes, alerta que neste ensaio deixou de lado a atitude “espiritual” mais comum à sua época (que pode ser a nossa também!): a atitude que se apoia sobre o princípio de que tudo é razão e que tem em vista dar uma explicação do mundo. Por isso, o leitor é convidado a pensar “fora da caixa” e a considerar o pensamento absurdo.
Na verdade, diria que tal convite é praticamente um desafio, já que “é sempre cômodo ser lógico. Mas é quase impossível ser lógico até o fim”. E, talvez, não haja, paradoxalmente, forma mais apropriada de se pensar no suicídio que não passe pelo crivo do absurdo, posto que “o divórcio entre o homem e a vida, tal qual entre o ator e seu cenário, é o próprio sentimento da absurdidade”.
Pela minha percepção, dividi o ensaio numa espécie de gradação ascendente, que se inicia com a tomada da consciência absurda, o reconhecimento do homem absurdo e, na sequência, a ação absurda, a revolta, a qual, para Camus, é atitude mais coerente e sábia ao se tomar conhecimento dos dois primeiros movimentos (e, aqui, encaixa-se perfeitamente o mito de Sísifo).
No decorrer do ensaio, Heidegger, Kierkegaard, Nietzsche e outros são citados. Por fim, o autor discorre sobre “a criação absurda”, analisando brevemente textos de Kafka e Dostoiévski, linhas deliciosas, diga-se de passagem. É interessante constatar, sob o olhar de outro, como os grandes autores da literatura trabalharam com eficiência temas caros à filosofia.
Eis uma obra para ser lida e relida ao longo dessa nossa estranha existência. E, se tal existência é absurda, como o parece ser, pelo menos tentemos escalar os muros absurdos que nos cercam. Como disse Nietzsche (replicado no ensaio de Camus, por meio deste e outros excertos), “o que importa não é a vida eterna, é a eterna vivacidade.”