Lucas | @luagonoslivros 10/09/2021Girando a RodaDesde que o livro, senti um gostinho amargo com relação a algo que não sabia explicar, mas que estava ali, dentro de mim. Agora que mandei o livro embora consigo por em palavras o sentimento.
Ao se deparar com um comportamento infantil de n tipos, não podemos (nem devemos) levar em consideração > nada < porque até os 21/24 anos o cérebro não está formado. Se nem na adolescência sabemos quem somos, quem dirá uma criança. Criança até o 7 anos repete comportamentos. Ela finge, ela brinca, ela experimenta. E ela é usada, ela é manipulada. É nessa fase que se criam traumas pra vida toda devido a vulnerabilidade da fase. Aproveitar disso para seus próprios prazeres é doentio e inaceitável.
Me parece um pouco incoerente uma geração marcada por "não queremos rótulos" chegar na vida adulta e reforçar cada vez mais os rótulos que ignoram. Criaram até rótulo pra dizer que não tem rótulo (e nem nada na cabeça, pelo visto).
É algo tão inconcebível assim pra sociedade as pessoas serem diferentes?
Pelo visto, é. Porque você precisa de uma categoria. Principalmente se ela reforçar cada vez mais os estereótipos de gênero.
Quando criança eu fazia as mesmas coisas que o garoto desse livro. Tinha mais amigas que amigos; adorava revistas "femininas" como Capricho e Witch; pintei unha, usei salto e sutiã da minha mãe escondido; amarrava toalha na cabeça pra fingir cabelo longo; ODIAVA banheiro masculino porque sofri assédio sexual nele. E adivinha: nada disso me "definiu" como nada.
E nem poderia, eu era criança!
É muito problemático você descartar qualquer outra possibilidade para tachar alguém de algo, sem pensar duas vezes. E, hã... a homossexualidade? Lembra dela?
É através do universo feminino que muitos garotos, e eu incluso, nos descobrimos gays. E por mais que "sinais" seja demonstrados desde a infância, não é certo falarmos que somos algo sem saber. Não poderia ser apenas um menino hétero que gosta de coisas "femininas"? É pecado?
Na verdade, é sim. E é por isso que a Igreja adentrou o pensamento na nossa cultura que um homem precisa "ser homem", se não vai pro Inferno. 'Mulher já é o demônio em pessoa mesmo, então qualquer coisa que ela fizer vai pro Inferno também, não to nem aí.' (A Igreja falando, não eu. Prove que tem neurônios aí).
É através da ideia de que homossexuais querem ser o sexo oposto que países do Oriente Médio fazem conversões e cirurgias de troca de sexo, a famosa cura-gay no seu momento mais límpido: troca seu sexo, p*rra!
Então quando eu vejo isso, nesse livro, só consigo parabenizar por terem girado tanto a roda, que voltamos pro mesmo lugar. É assim que funciona agora? Um rótulo pra não ter rótulos? Em vez de ir pra frente, estamos indo pra trás. E muitos, sem consciência alguma disso. A maioria, na verdade. Estão pulando numa narrativa que apaga e mutila milhares de pessoas achando que tão arrasando.
Sentimentos mudam do dia pra noite (alô, adolescência!). Assédio moral, tratamentos hormonais e cirurgias não, as sequelas são mais profundas, e pra sempre.