Carla.Parreira 16/04/2024
O chamado selvagem (Jack London). Buck é um cachorro de estimação que vive uma vida tranquila em um rancho na Califórnia. Porém, sua realidade é abruptamente interrompida durante a corrida pelo ouro em 1890, quando ele é sequestrado e vendido para ser um cão de trenó no norte da América. A partir desse momento, testemunhamos a transformação de Buck, que de um animal dócil e amoroso se torna um ser determinado a sobreviver a qualquer custo. Ele aprende sobre o mundo ao seu redor e se adapta a ele, lutando para se ajustar ao ambiente hostil em que se encontra. A narrativa mantém o foco no protagonista canino, mostrando seu desenvolvimento gradual de um cão domesticado para uma fera selvagem. O chamado da natureza se torna cada vez mais audível para Buck, à medida que ele se afasta de sua domesticação e se entrega à vida selvagem. Quando confrontado com a natureza selvagem e suas origens primitivas, Buck se adapta. Apesar do sofrimento e das terríveis provações, ele se transforma gradualmente. Apesar de ser um cachorro, há paralelos com a jornada humana na história de Buck. Ele acaba abraçando a violência para sobreviver em um ambiente que constantemente o desafia. Ele ainda sente e permite-se sentir. A natureza o acolhe de braços abertos, desde que ele esteja disposto a abraçá-la completamente, a se soltar de suas amarras. E quando, nas noites frias e silenciosas, Buck levanta o focinho para as estrelas e solta um uivo semelhante ao de um lobo, são seus ancestrais, agora apenas poeira, que ecoam através dos séculos e através dele. Em um determinado momento, Buck se agarra a um último vestígio de humanidade, algo que o conecta à civilização e aos seres humanos. É algo belo, mas também triste, pois o chamado selvagem corre em suas veias. No entanto, ele ainda mantém uma lealdade e apego àqueles que o protegem. Ele permanece domesticado e civilizado por fidelidade aos humanos. Melhores trechos: "...Um vento gelado soprava e o atingiu em cheio e de maneira bastante cruel em seu ombro ferido. Ele se deitou na neve e tentou dormir, mas o frio intenso logo o fez começar a tremer da cabeça aos pés. Sentindo-se muito infeliz e desconsolado, andou entre as várias tendas para somente descobrir que qualquer lugar era tão frio quanto o outro. Aqui e ali os cães selvagens atiravam-se contra ele, mas ele eriçava os pelos de seu pescoço e rosnava (pois vinha aprendendo rápido a fazer isso), e eles o deixavam em paz. Por fim teve uma ideia. Voltaria para ver como seus companheiros estavam se saindo. Para sua surpresa, eles haviam desaparecido. Mais uma vez andou pelo grande acampamento, procurando por eles, e mais uma vez ele voltou. Estariam dentro da tenda? Não, não poderiam estar lá, ou ele não teria sido expulso. Então, onde poderiam estar? Com o rabo entre as pernas e o corpo tremendo, bastante humilhado, para falar a verdade, ficou andando em volta da tenda. De repente a neve cedeu embaixo de suas patas dianteiras e ele afundou. Alguma coisa se moveu embaixo de suas patas. Ele deu um pulo, eriçando os pelos e rosnando, com medo do que não podia ver e do que não conhecia. Mas um latido amigável o deixou mais tranquilo, e ele voltou para ver o que era. Uma lufada de vento quente avançou em suas narinas e lá, encolhido embaixo da neve como uma bola de pelos, estava Billee. Ele choramingou de maneira apaziguadora, contorceu-se e moveu-se para mostrar sua boa vontade e boas intenções e até se aventurou, como em um gesto de paz, a molhar o rosto de Buck com o toque quente de sua língua. Mais uma lição. Então era assim que eles faziam, não é? Buck, confiante, escolheu um local e, de maneira bastante espalhafatosa e com muito esforço começou a cavar um buraco para si. Em um segundo o calor de seu corpo preencheu o local confinado e ele adormeceu. O dia fora longo e árduo e ele dormiu profunda e confortavelmente, embora tenha rosnado, latido e se debatido por causa dos sonhos ruins que vivenciou... Ele sozinho progrediu e prosperou, igualando-se aos huskies em força, selvageria e astúcia. Ele era um cão magistral, e o que o tornava perigoso era o fato de que o porrete do homem de suéter vermelho apagara todo seu ímpeto e desejo de dominar. Ele era, acima de tudo, astuto e capaz de aguardar por sua vez com uma paciência bastante primitiva... Os líderes ergueram o uivo da alcateia e correram em direção à floresta. Os demais lobos correram atrás, uivando em coro. E Buck correu com eles, lado a lado com seu irmão selvagem, uivando enquanto corria..."