spoiler visualizarAdelmo9 06/08/2024
O chamado de muitos tons
Não é comum dizermos que um objeto inanimado possui vida, mas acredito que para esse caso poderíamos abrir uma exceção. Talvez não para dizer que de fato o livro "tem" vida, mas sim que ele transmite a idéia e os sentimentos relacionados a vida. E o mais interessante de tudo é o fato de que a vida que é transmitida é a de um cachorro. Lendo o posfácio dessa edição, dá pra entender o motivo de Jack London ter escolhido o cachorro e lobo, dois animais considerados primos, e em algumas ocasiões até irmãos. Mas foi uma escolha incrivelmente acertada.
O fato do livro transmitir a ideia de vida se dá pelo uso de emoções e sentimentos, por parte do autor, de origem humana. Daí fica fácil entender essa sensação de vida. Porém, ele atribui tais sentimentos aos animais de uma forma tão bela e com grande maestria que não vi nenhum autor fazer igual à ele (pelo menos até o presente momento).
Podem pensar: "bah, diversos autores já fizeram isso, muitos até antes dele". Mas não é só isso. Diferente de vários outros autores, que cedem ao antropomorfismo, London retém e mantém as principais características animalescas dos personagens. Não somente isso, ele explora e as expande a medida que a história vai decorrendo. Mas mesmo nesse estado, ele atribui emoções e sentimentos humanos aos animais, apesar de às vezes parecerem rudimentares. Essa brilhante combinação, que a princípio pode parecer estranha ou até estúpida, se mostra genial pelo uso de London de adjetivos de advérbios muito bem selecionados e posicionados, que transparecem grande humildade, mas autoconfiança. Um desejo ardente de descrever o mundo ao seu redor, mas o autodomínio necessário para evitar desgaste e despesas.
Tudo isso nos permite identificar diretamente com o personagem, Buck, um cachorro, ao ver suas lutas, seus sentimentos, seus desejos, e até suas dúvidas quando ele começa a escutar o chamado selvagem. Tal maestria em permitir um direta associação com um personagem não-humano é difícil de se encontrar.
Realmente, uma obra-prima que demonstra a capacidade de uma pessoa que não cresceu com um aprendizado ou estudo adequado, mas que se mostrou capaz de contar histórias. Considerando que a vida de London auxiliou e deu base para grande parte da história contada em O chamado selvagem, fico inclinado a dizer que ele é um excelente exemplo de um autor que busca contar histórias, independente se são ou não fictícias. Não tenho a mesma vivÊncia que Jack London teve. Se duvidar, ninguém no mundo moderno deve ter algo similar a vivência que ele teve. Mas mesmo assim, nos dá uma fagulha, uma centelha de inspiração para utilizarmos nossa própria história para escrevermos e deixarmos um legado.
Então, apenas fiquei mais interessante ainda no livro que acompanha O chamado selvagem, _Caninos Brancos_, considerando que esse também foi escrito por London, e que remete a mesma história descrita em O chamado selvagem, porém traçando o caminho inverso. Considerando que Buck quase que não resiste a ceder aos seus instintos, fico intrigado em como será a descrição do caminho reverso em _Caninos brancos_.