Tibúrcio 25/08/2019
A Catedral do Mar
Já tinha visto A Catedral do Mar algumas vezes nas prateleiras das livrarias que entrava e sua capa sempre me chamava atenção, juntamente com sua sinopse e algumas resenhas que lia pela internet, porém nunca levei ele para ler. Acho que não era o momento ainda. Este ano mais uma vez o livro apareceu para mim despretensiosamente e sob alguns comentários de amigos e conhecidos leitores. Daí foi inevitável não se sentir tentado a lê-lo. E que bom ter resolvido mergulhar nessa obra. Que obra!
Essa história épica se passa na Barcelona do século XIV, uma cidade próspera para onde se dirigiam muitos camponeses fugidos de seus senhores, acreditados na promessa de liberdade oferecida pela grande cidade do condal. E é nela, no bairro da Ribeira, os humildes cidadãos de tal cidade constroem a imponente Catedral de Santa Maria del Mar, conhecida como a igreja do povo. É em meio a essa gigantesca construção que se desenrola, paralelamente, a forte e conturbada história de Arnau Estanyol.
Filho de um camponês, Arnau chega a Barcelona, ainda bebê, com seu pai em busca de liberdade e fugindo dos abusos de seu senhor feudal. É em Barcelona que Bernat vê a esperança de um cidadão livre. Ainda menino, Arnau conhece a maldade dos nobres, a pobreza e a fome, entretanto busca na sua força e fé sobreviver às injustiças da época e passa por vários trabalhos desde estivador, carregando as pedras para erguer a igreja até tornar-se cambista. Tem uma vida tediosa, sempre regida pela sua fé, porém marcada de aventuras que lhe trazem um destino grandioso e épico.
A Catedral do Mar é um livro forte e arrebatador desde o primeiro capítulo. E para quem gosta de histórias no período Medieval, vai se encantar com a história. A narrativa do Idelfonso Falcones nos coloca dentro da obra de tal forma que respiramos ela a todo momento.
Bernat Estanyol era um camponês que vivia com seu velho e louco pai que lhe contava as grandes histórias de seus antepassados quando ainda eram livres das maldades e exploração dos seus senhores. Assim como Bernat, seu velho pai também nascera preso à terra dos nobres e submetido às violações. Após sua morte, Bernat herda essa condição de servir e tirar da terra seu sustento, mas pagando impostos altíssimos.
Na festa de casamento entre Bernart e Francesca, eles são surpreendidos com a chegada do senhor das terras onde viviam, Llorenç de Bellera, e este toma parte da festa exigindo o direito de se deitar com Francesca. Francesca sofre a pior das humilhações que uma mulher pode passar e dessa violação nasce Arnau, porém todo o amor que esta criança poderia receber da mãe parece ter sido esvaído junto a humilhação pela qual ela sofrera. Entretanto, a perseguição de Llorenç continua e Bernat se ver obrigado a fugir para salvar a vida de Arnau. Em Barcelona, o lugar que prometia liberdade, torna-se o refúgio de Bernat e Arnau. Lá recorre a sua única irmã, Guiamona, que vivia com seu marido e poderia abriga-lo até que ele conseguisse sua liberdade.
A história de Arnau começa a ganhar forma neste momento. Ele cresce junto a cidade, ainda criança conhece de perto a maldade sendo vítima de injustiças e atrocidades dos nobres movidos pela lei da tradição, exploração e jogos de interesse. Enxerga o ódio e a indiferença que a nobreza tem sobre o resto da população que vive na miséria.
A Catedral do Mar não é só um romance, mas também um retrato de uma época e que não está limitado a falar sobre ela, mas ir a fundo e fazer de nós, leitores, refletir sobre o quanto a natureza humana poder ser podre quando se esta no poder ou aspirando a ele.
Nesta obra vamos encontrar intriga, inveja, injustiça, soberba, preconceito, ambição e fanatismo ao longo de suas páginas. Porém, seu tema principal é a luta pela liberdade e contra a injustiça cometida pelos homens em busca de interesses. Em vários momentos do livro experimentamos sensações diferentes que nos faz refletir sobre até aonde o homem é capaz de ir para está acima dos outros ou se beneficiar de algo.
No livro a construção da Catedral e a santa são de grande importância na determinação da história dos personagens, parece-me que ela está presente em todos os momentos, menos não estando. Ela não deixa de ser um personagem na história, já que está tem grande significação na obra. A começar do próprio título que se deve a catedral gótica de Santa Maria del Mar, construída entre os anos de 1329 a 1383. Obviamente que ela não é o único tema tratado na obra, Falcones enveredou sua narrativa também pelas relações de servidão e de poder da nobreza e da Igreja, o que faz do livro uma obra histórica porque mostra sobre as leis severas impostas aos camponeses, como também a perseguição religiosa aos judeus e, consequentemente, a intolerância religiosa dos católicos e inclemência dos Tribunais do Santo Ofício.
O autor, nesta obra, dá importância às regras sociais, as leis injustas que privilegiam a alta sociedade e faz disso um pano de fundo para determinar o destino dos personagens. A exemplo disso temos a passagem do estupro de Francesca que foi legitimado pelo jus primae noctis (direito de primeira noite), uma lei medieval que permitia ao senhor feudal o direito de desvirginar as noivas dos camponeses na primeira noite. São essas passagens que despertam no leitor sensações horríveis, mas ao mesmo tempo reflexíveis sobre o pouco que evoluímos ao longo do tempo. E isso abriria uma ampla discussão que para a resenha não caberia.
O trabalho de pesquisa do autor merece destaque nesta obra, já que este se dedicou anos em vários documentos para chegar a esta narrativa tão forte e voraz, que em momento algum torna-se arrastada. Há sempre algo novo para acontecer e isso faz o livro ser tão voraz.
Os personagens são um caso à parte porque há uma gama de diferentes tipos desde pessoas simples, aos nobres, camponeses, artesãos, meretrizes, escravos e judeus e cada um com sua significação e determinação no destino dos personagens principais. Obviamente que o mais cativante de todos é o próprio Arnau.
Desde criança Arnau já demonstrava caráter, um coração sincero e puro. Sofreu, foi humilhado, mas não se deixou mover pela vingança. Trabalhou com bastaix carregando pedra para a construção da Catedral e foi durante esse período que trabalhou duro, mas foi feliz. Se envolveu em situações complicadas e conseguiu sobreviver a muitas intempéries para chegar a um desfecho para recomeçar uma nova história.
Enfim, é um livro para os amantes do romance e de História. Vale a pena retirar ele da prateleira seja ela da sua estante ou da livraria, e mergulhar em suas páginas. Pode parecer um livro longo, mas é tão intenso que torna-se curto deixando o leitor com aquela ressaca literária.