Gabriel.Maia 08/02/2023
Agradeça a Napoleão Bonaparte por viver em um dos maiores países do mundo.
Tem uma questão que há muito tempo tirava o meu sono, me deixava incomodado, e eu não via a hora de encontrar a resposta para ela: por que a que América espanhola se fragmentou em diversos países enquanto a América portuguesa se manteve unida em uma nação? Esse livro não apenas respondeu esse questionamento de forma magistral, como também me mostrou vários pontos interessantíssimos da nossa história, que nunca foram abordados pelas minhas professoras.
Em 1808 o mundo europeu estava um caos; Napoleão e suas tropas estavam tocando o terror na Europa com seus ideais revolucionários, e todos os reis absolutistas temiam perder suas coroas (e suas cabeças) para o imperador francês. No meio de todo esse caos, havia um reino pequeno, com uma rainha louca, um príncipe regente medroso e indeciso e uma corte corrupta e ociosa que ainda não havia sido atacado pelas tropas francesas. Esse reino era Portugal, um país decadente e totalmente conservador, que sobrevivia de seus feitos na época das grandes navegações e do extrativismo realizado em suas colônias, principalmente no Brasil. Napoleão havia declarado o bloqueio continental, uma medida que proibia todos os países de comerciarem com a Inglaterra, a maior inimiga da França, ameaçando uma forte retaliação aos países que contrariassem suas ordens. Portugal não tinha muitas escolhas nessa época; eram parceiros de longa data dos ingleses porém julgavam que não possuíam força suficiente para combater as tropas napoleônicas, o que fez com o príncipe regente, Dom João, tomasse uma decisão que era ao mesmo tempo arriscada e medrosa: Portugal, com a ajuda da marinha Inglesa, levaria toda a sua corte para sua colônia mais próspera, o Brasil!
Foi uma viagem duríssima, repleta de imprevistos e de incômodos para as mais de 15000 pessoas que tiveram de se acomodar em apenas 34 embarcações, passando aproximadamente um mês em alto mar, tendo atracado primeiro em Salvador na Bahia, partindo em seguida para a capital, o Rio de Janeiro. A Inglaterra havia imposto várias exigências para realizar a escolta portuguesa até o Brasil; entre essas exigências, estava a abertura dos portos brasileiros, que, até o momento da chegada da corte em Salvador, eram abertos apenas para embarcações portuguesas, o que impedia o livre comércio na colônia. Essa foi a principal medida adotada por Dom João em Salvador, mas as principais mudanças seriam feitas na capital.
Quando a corte chega ao Rio de Janeiro, se deparam com uma situação um tanto quanto diferente do que estavam acostumados em Portugal: um país lindo, com uma natureza exuberante e esplendorosa, com muitas riquezas naturais, um clima agradável e uma terra fértil, paisagens de tirar o fôlego e uma diversidade inimaginável de fauna e flora. Em contrapartida, a corte também não estava acostumada aos maus hábitos dos brasileiros, que nunca haviam tido uma escola no país, nunca haviam aprendido boas maneiras e levavam uma vida preguiçosa, sem se preocupar sequer em manter suas casas limpas. Foi um choque para a corte, que, devido à pressa que tiveram para vir para o Brasil, acabaram tendo que pegar as casas dos habitantes locais para viverem, o que provocou um grande tumulto na época.
O Brasil dessa época seria irreconhecível para nós. Não havia nada em comum entre as capitanias além da língua falada e da relação de colonato com a coroa Portuguesa, que mantinha sua sede do outro lado do atlântico e não tinha força suficiente para manter unida a colônia a uma distância tão grande. Isso começou a mudar com a chegada da família real que, apesar de focar suas atenções na capital, que era o lugar em que vivam, fizeram várias reformas em toda a colônia, como a adoção de uma moeda nacional, leis nacionais, polícia e vários outros serviços, que contribuíram muito para nosso atual senso de patriotismo. Isso responde perfeitamente bem à questão que coloquei no começo dessa resenha. Graças à vinda da família real, foi possível inibir os esforços de separação de algumas capitanias como o Rio Grande do Sul e Pernambuco, que buscavam a independência da coroa e tiveram seus ideais frustrados graças à ação imediata das tropas reais, coisa que só foi possível graças à centralização do poder advinda da presença real no Brasil. Como a América espanhola nunca teve essa centralização em seu território, foi fácil para as regiões se separarem após a independência, e com isso, formarem essa quantidade enorme de países com língua espanhola nas américas.
Tudo ia bem no Brasil, apesar das dificuldades iniciais; a coroa tinha passado a amar esse país tão acolhedor e rico e os cidadãos brasileiros também tinham passado a gostar da família real, visto que Dom João distribuiu em seus primeiros 8 anos de governo mais títulos e honrarias do que nos últimos 300 anos da monarquia portuguesa. Esses títulos, somados às várias reformas educacionais, culturais e econômicas, elevaram a moral do príncipe regente, fazendo com que o mesmo fosse idolatrado por seus súditos. Porém, como já sabemos, nem tudo são flores, e em meados da segunda década do século XIX começaram a surgir revoltas em Portugal exigindo a volta da família real ao seu país de origem, que estava órfão de um governante legítimo desde o final de 1807. Os portugueses lutaram contra os franceses quando os mesmos invadiram o país dois dias após a partida da família real e, apesar da bravura, foram dominados, mas não por muito tempo. Em 1811 as tropas napoleônicas começaram a deixar Portugal em direção à sua vizinha Espanha, que havia sido traída por Napoleão e agora estava sob ataque. Já nessa época seria seguro para a família real retornar a Lisboa, porém eles tinham se apegado tanto ao Brasil que decidiram prolongar um pouco mais a estadia. Em 1821, parte Dom João VI para enfrentar a multidão enfurecida de Portugal, contrariando todos os que o chamavam de medroso, e já sabendo das consequências de sua estadia no Brasil. Dom João estava ciente de que o Brasil ia declarar independência da coroa, portanto manteve seu filho, Dom Pedro, na regência do território, alegando que era melhor que seu primogênito, que o respeitava, comandasse a emancipação.
Sei que eu digo muito isso nas minhas resenhas mas esse é um livro que todo brasileiro deveria ler, principalmente os que tem alguma afeição por história. Temos que conhecer nossas origens para entendermos o que nos tornamos, e Laurentino Gomes consegue fazer essa tradução de forma magistral. Com uma narrativa muito envolvente e bem cadenciada, o autor nos leva em uma viagem ao século XIX e nos mostra um panorama geral de como era viver naquela época repleta de mudanças, além de elucidar-nos várias questões que não são abordadas com profundidade nas escolas. Tenho certeza de que saio desse livro com muito conhecimento adquirido e com ainda mais questões que serão respondidas lendo outros livros.