Don Hoffman 22/08/2021
A filosofia do Samurai
Gorin no Sho - O livro dos cinco elementos, popularmente conhecido como livro dos cinco anéis
Ano de lançamento: Cedido ao discípulo Terao Magonojo em 1645
Gênero: Estratégia militar
Autor: Miyamoto Musashi
Impossível falar sobre esse livro sem antes fazer menção a história de seu autor, Miyamoto Musashi, ou "o samurai invencível" que durante sua vida venceu mais de 60 duelos, não tendo chegado ao final apenas em duas ocasiões, quando lutara com um velho mestre que o enfrentou usando um leque e contra um rude camponês que fez uso de um kusarigama (corrente com bola de metal em uma extremidade e foice em outra).
Sempre tivera interesse pela arte militar, começando sua trajetória aos 13 anos que durou até aproximadamente os 30 quando o mesmo se retira para refletir sobre seu passado, e buscar uma verdade superior. Nesse espaço de tempo ele viveu se aventurando pelas províncias japonesas em busca do aperfeiçoamento de sua arte, saindo invicto de todos os duelos dos quais tomou parte.
Aqueles que viviam assim eram conhecidos como rônins, samurais sem suserano, ou seja, vagabundos da pior espécie.
A partir de então não se sabe muito mais sobre sua história, supõe-se que tenha continuado com suas peregrinações.
Era conhecido de diversas formas pejorativas, por ignorar as regras e ter ainda por cima criado uma escola que usava duas espadas no lugar de uma; Niten Ichi, sobre a qual baseia-se todo o livro.
Por diversas vezes lutou usando cacetes de madeira invés de espadas, sendo muito conhecido o episódio no qual ele derrotou Sasaki Kojirô, (que era conhecido por abater andorinhas em voo), com um remo, do qual improvisou uma espada.
Depois de sua atuação em combate contra um bando de camponeses rebeldes, foi convidado por um senhor feudal "Hosokawa Tadatoshi", a ser mestre de esgrima em seu castelo (castelo kumamoto).
No ano seguinte, Tadatoshi pede que Musashi escreva um tratado sobre sua arte, todavia Tadatoshi falece um mês depois dele receber a tarefa. Seu filho dispensa o tratamento que o pai dava ao velho samurai que se retira para a caverna reigandô que ficava próxima ao castelo. Lá passa os últimos anos de sua vida e é onde escreve seu livro.
O livro per si é de difícil compreensão, o autor não teve tempo de revisar ou polir o texto, portanto o mesmo apresenta demasiadas repetições e sua leitura muitas vezes pode ser cansativa e enfadonha. Todavia, essa falta é justificada pelo fato do autor estar vivendo em condições insalubres e muito doente, o mesmo, morrera pouco tempo depois presumivelmente de câncer de estômago.
Aqueles que, assim como eu não tem muito contato com a cultura nipônica podem sentir ainda mais dificuldade para compreender o texto devido a variedade de palavras distintas que, mesmo traduzidas, podem ser difíceis de ler. Contudo, isso não se caracteriza num impedimento para a leitura.
Divide-se em cinco partes, ou "elementos". Terra, água, fogo, vento e vácuo.
Cada capítulo possui uma ideia específica, contudo, no geral, a intenção do autor é dissertar sobre a arte militar de sua escola e como empregá-la. Ele apresenta certa austeridade, e a todo momento ressalta ser impossível absorver o conteúdo do livro sem que se medite sobre cada palavra, sobre cada letra nele presente. Aliás, afirma ser mortalmente perigoso não refletir sobre o mesmo, já que, ele está ensinando golpes de arte marcial, e qualquer interpretação errada do texto poderia causar sérias consequências e talvez levar o samurai a óbito.
Entretanto, atualmente não se faz mais uso de espadas em combates como à época de Musashi, seu uso fica restrito a arte da esgrima. Não sendo possível sair por ai a desafiar oponentes para um duelo. Dessarte, o uso dos golpes em sua essência pode ser de alguma forma empregado por praticantes de artes marciais.
Logo, concluí-se que o leitor deva visar absorver tão-só a filosofia por trás das palavras do velho samurai.
A abordagem de Musashi é bastante sucinta, seu objetivo é expor em poucas palavras os mandamentos de sua arte, para assim talvez instigar o leitor a pensar sobre o assunto. Por diversas vezes é subjetivo, não sendo possível ter plena certeza do significado do que ele diz, provavelmente devido a ausência de seu tempo e agravo de sua moléstia.
TERRA
Nos tempos do autor existiam quatro classes trabalhadoras. Lavradores, samurais, mercadores e artesãos. Estes últimos seriam analisados analogamente aos samurais devido a semelhança de seus mandamentos, o que se traduz na natureza de sua atuação.
Artesãos podem ser definidos como "grandes planejadores". O mestre artesão, gerencia a forma como será construída uma casa por exemplo, e todas as circunstâncias relativas a esta construção dele dependem, logo, o mesmo deve se empenhar para que o resultado final não seja uma abominável ruína. Cabe a ele delegar as tarefas de acordo com as habilidades de cada um, os mais capacitados tomam as tarefas mais difíceis, os mais incompetentes as tarefas de pouca importância.
"Ou seja, do sucesso depende que se saiba empregar bem os recursos que estão a sua disposição, conhecer as suas armas, suas ferramentas e sobretudo aqueles que trabalham com você ou são seus subordinados. Da mesma forma agem os comandantes quando empregam os soldados."
Todavia, não adianta ter esse conhecimento se não souber empregar ou distinguir o ritmo que há em todas as coisas, não se pode contra o ritmo, é preciso conhecê-lo e respeitá-lo. A partir disso pode-se empregar os contra ritmos, que servem para quebrar o ritmo do inimigo e assim derrotá-lo.
ÁGUA
A partir daqui o autor começa a ensinar os golpes em si, ou seja, os métodos para obter vitórias. Esses por sua vez versam sobre a maneira correta de se manejar a espada longa adotada pela escola Ichi.
Para que esses golpes possam ser aplicados é preciso trabalhar o espírito, o que se traduz no seu estado emocional. De acordo com o autor "o corpo não segue o espírito e o espírito não acompanha o corpo". Logo, é prudente prestar mais atenção ao espírito que ao corpo, pois o mesmo que influenciará nas ações do indivíduo.
Seu estado emocional deve ser sempre inescrutável para os outros, pois, se o inimigo tomar conhecimento dele poderá lhe vencer. Mantendo o espírito inalterado, com olhar de percepção aguçado, é possível tomar conhecimento das intenções do inimigo e agir antes dele de modo a literalmente lhe impedir de executar o que deseja.
FOGO
A respeito das interações com o inimigo. Para vencê-lo é preciso ter conhecimento de tudo sobre ele e usar isso para alcançar a vitória. O que significa suas estratégias, intenções, armas e sobretudo seu estado de ânimo. Pode-se engana-lo com base nisso, o deixando pronto para sua derrota. Ou seja, perturba-lo, o que o deixará vulnerável.
O fogo grande ou pequeno dispõe sempre de grande poder de transformação, logo o mesmo que se faz para obter um pequeno resultado pode-se fazer para obter um grande. É o mesmo que esculpir uma grande estátua a partir de uma miniatura.
Nos combates, as mesmas técnicas usadas no duelo individual, podem ser usadas para derrotar dezenas de inimigos de uma só vez.
É aconselhável antecipar-se ao inimigo, ao surpreendê-lo, ele baixará sua guarda. É necessário colocá-lo em situação desfavorável e mudar as técnicas de acordo com a necessidade.
VENTO
O autor se põe a analisar em nove artigos os métodos de arte marcial de outras escolas ao passo que os colaca em comparação com a sua, visando a convencer o leitor das razões de ser de sua escola. Destes nove artigos extraem-se as seguintes lições.
1) Tamanho não significa eficiência. O fato de algo ser maior não o tornará mais forte ou eficaz, as vezes, pode ser o contrário. Contudo, isso não inutiliza a coisa, só não se pode dela depender em demasia.
2) Nem sempre força bruta será a solução, em certas ocasiões pode por tudo a perder. Para vencer é sempre necessário recorrer a razão.
3) Se prender em demasia a pequenos aspectos pode levar a queda. Fixar-se apenas neles, faz com que o indivíduo desvirtue-se do mais importante, dando brecha para que o inimigo ataque.
4) Muitas técnicas para realizar uma mesma coisa pode levar a confusão. Portanto, é inútil e reprovável quando se tem um objetivo único.
5) Ficar sempre na defensiva esperando o inimigo atacar, é destestável, deve-se tomar a iniciativa quebrando a guarda dele, agindo de forma imprevisível e empregando outros artifícios. "Atacar primeiro ou esperar ser atacado constitui uma diferença de duas vezes, favorável ou não."
6) Fixar o olhar em algo específico, leva a desorientação, pois se estará ignorando o todo. Ao se acostumar com as coisas, torna-se possível olhar sem ver. O olhar em suma serve para ler o estado de espírito do inimigo.
7) O essencial é vencer percebendo a indecisão do inimigo, não lhe dando chance de reagir.
8) Em tudo existe ritmo, sendo ele rápido ou lento. Se precipitar, ter pressa e rapidez levará ao fracasso. A rapidez é condenável.
9) Buscar a profundidade logo de início é temerário e quase impossível de alcançar. Deve-se respeitar a caminhada e as vezes o superficial basta.
VÁCUO
O autor discorre muito brevemente sobre o que preferiu chamar de vácuo, o fez em uma página apenas. "O espírito do vácuo é a ausência das coisas, o desconhecido. Naturalmente, o vácuo é o nada. Conhecendo o que existe, toma-se conhecimento do nada". O vácuo não é aquilo que nos parece incompreensível, pensar isso seria mera confusão de espírito. Na visão do autor o vácuo só seria alcançado quando se atingisse um estado no qual o indivíduo é dotado de sabedoria e dos mandamentos da arte militar.
Segue-se minha interpretação pessoal a respeito do que ele quis dizer com esse texto.
"O vácuo, é ter conhecimento de que se está preenchido com essa sabedoria, ou seja, tendo tal noção saberíamos que a ausência da mesma é o vácuo em si. Musashi diz para que se considere o vácuo como os mandamentos e os mandamentos como o vácuo.
Ou seja, a ausência do total conhecimento dos mandamentos caracteriza o vácuo, e o inverso ocorre quando deles se toma conhecimento, o que leva a compreensão de que o vácuo seria a ausência dessa sabedoria."
Vale ressaltar que o autor não afirmou isso, na realidade esse capítulo é sujeito a interpretação pois o mesmo fora exposto de maneira muito subjetivamente indireta, o que não confere a presente interpretação qualquer certeza de significado, ou seja, a mesma não seria incontestável.
site: Meu instagram: https://instagram.com/don_hoffman1?utm_medium=copy_link