gabriel 28/06/2021
Interessante e rico, mas mal escrito
Pode parecer uma heresia falar que Paulo Freire escreve mal, e na verdade com isso não quero dizer que ele "pensa mal" (ao contrário), mas sim dizer que seu estilo de redação é simplesmente péssimo e horroroso. Se você duvida disso, tatue "unidade epocal" no seu braço, ou então "ação editanda", e outros muitos dos termos que Paulo usa (alguns emprestados de outros teóricos), que soam muito mal aos ouvidos. Parece um detalhe bobo, mas não é, acredito que suas ideias se beneficiariam com um texto mais limpo.
Esta avaliação, para mim, tem três dimensões: a do estudante, a do interessado em política e a do leitor. Como o Skoob é um site para leitores, e não um site de pedagogia ou de ciências humanas, acredito que o aspecto literário deva ser relembrado. E Paulo Freire, apesar de não divergir muito em estilo de outros teóricos de humanas, é especialmente doloroso de ler, tanto pela escolha dos termos, quanto pela maneira como ele faz as frases.
Muita coisa escrita dá uma sensação tediosa de obviedade, até porque quem geralmente o lê, já concorda com ele. Duvido muito que uma pessoa no espectro oposto político sequer arrisque a leitura, na primeira citação de Marx o cara já tem um infarto (e quando ele cita o Che Guevara então, é morte na certa). Então, apesar de ser um texto interessante e com muitas ideias novas (e importantes alertas), é impossível não sentir um leve soninho com a leitura.
As frases são meio redundantes (talvez não sejam literalmente, mas soam redundantes). É comum uma frase ser concluída com o começo, o que dá uma sensação modorrenta de circularidade. Ele segue, na redação, aquela lenda que diz que "não podemos repetir palavras". Então você lê uma frase enorme, e na segunda frase ele retoma com termos do tipo "os primeiros blablablá, e os segundos blablablá aquele outro". O mestre Machado já ensinou: repita o segundo termo no final, pois o leitor já o esqueceu. Pronto, texto muito mais claro e limpo (e elegante, aliás).
Isso, no entanto, são chororôs de quem gosta de um texto bem escrito, e se você está estudando algo e não lendo para se divertir, isso tem um peso muito relativo. Então não acredito que isso chegue a ferir de morte a leitura, até mesmo porque se for aplicar este critério, sobraria muito pouca coisa em ciências humanas.
Então, como leitor, minha nota é dois (de cinco).
Como estudante, interessado em questões de pedagogia e ensino, é um texto riquíssimo. Gostaria que ele tivesse falado mais das suas experiências práticas (são um pouco minguadas no texto), mas mesmo assim elas aparecem pontuando alguns tópicos. As ideias, ainda que um tanto repetitivas (dá a impressão de você estar lendo sempre a mesma coisa ao longo do livro), são ótimas e teoricamente embasadas. São muitas referências a outros teóricos, como Althusser, Fromm e até Hegel (que parece embasar suas ideias sobre dialética). E, claro, o nosso bom e velho amigo barbudão, o camarada Marx marcando presença (ainda que, não sei se por estratégia, ele aparece um tanto timidamente nas análises).
Então, se há o desenvolvimento de uma pedagogia "de libertação" prática no seu dia-a-dia (enquanto profissional da educação), o livro é um material rico para que estes planos ou atividades práticas encontrem um solo firme, para que você possa fundamentá-los com uma maior segurança. A ideia central é que a pedagogia não torne objeto o educando, mas o convide a ser mais participativo (desde o início, no desenvolvimento do tema), sendo então uma educação "com ele" e não "para ele".
Sei que já bati nesta tecla, mas o uso recorrente dos termos "sujeito/objeto", e termos hegelianos do tipo "ser-para-si" me parecem desnecessários, pois não há um diálogo mais concreto com os autores que fazem uso destes termos. A única serventia deles é entravar o texto, mas ok, esta questão da redação já foi tratada (e criticada). De toda a maneira, é fácil acompanhar a sua linha de raciocínio, de uma maneira geral.
Então é um texto mais do que válido e rico para quem é interessado em pedagogia, e mesmo para outras áreas, é um texto que vale ser lido.
Do ponto de vista político, tenho muitas ressalvas ao que Freire propõe aqui. Em primeiro lugar, a crítica que ele faz a questão dos "slogans". Acredito que os fatos políticos, principalmente em momentos agudos, tem uma agilidade muito pronunciada. Você piscou, perdeu o bonde. Isto pode ser analisado em detalhes no caso de (por exemplo) junho de 2013, mas os exemplos recentes sobre isso (nacionais e internacionais) são abundantes. Então a escolha de palavras de ordem claras, com uma linha política definida, fazendo bom uso da linguagem publicitária (com confecção de cartazes e materiais específicos, bem como escolha correta de simbologia), me parecem essenciais. No entanto, concordo com suas ressalvas ao excessivo dirigismo, e à objetificação da militância.
Seria um completo exagero também dizer que Freire possui um "ranço elitista" quando ele repete em vários momentos que o povo tem uma visão "ingênua" das coisas. Mas é um exagero que eu quero cometer. Realmente, dá pra entender o que ele quer exatamente dizer quando opõe ingenuidade a um conhecimento crítico/científico das coisas. Mesmo assim, me parece que uma certa arrogância permanece, e se é para aprender "com o povo", um maior radicalismo seria desejável.
Os cruzamentos entre pedagogia e política são muito bons, mas como o texto tem uma estrutura de ensaio, achei que faltou uma relação um pouco mais concreta entre eles. Não há aprendizado que não seja político, e que não seja um agir sobre o mundo. Isso aí ok, porém não acho que tudo está "ou a favor", "ou contra" o opressor. Às vezes as coisas são só as coisas mesmo, e exagerar quanto a isso pode se tornar um radicalismo inócuo.
Em alguns momentos, Freire diz (acertadamente) que a ação libertadora não deve ser piegas. O seu texto, no entanto, soa dolorosamente piegas em vários momentos, o que não é muito do meu agrado, mas pode soar bem para algumas pessoas. É um ensaio que tem um ar meio panfletário, então acho que isso pode se justificar dentro deste estilo (eu, no entanto, gosto de uma coisa um pouco mais objetiva e sóbria). O sentimentalismo sempre abre portas para o moralismo, que abre portas para o messianismo que ele tanto critica.
Enfim, é um texto muito amplo, algo arrastado de ler, num estilo propriamente acadêmico e com muitas citações e cruzamentos com outros teóricos. Do ponto de vista político, é um texto bem engajado, e com uma opção política clara (ainda que ele dilua o Marx na coisa toda, dando preferência a teóricos secundários). É um texto que vale a releitura e a reflexão, a nota reflete um pouco a importância do tema (e como ele é trabalhado), e o meu desgosto com a redação ruim dele, o que me fez tirar uma estrela.