José Ricardo 05/06/2010
Sexo com a irmãzinha é pecado? Vai falar isso para um tal de Carlos...
Sexo com a irmãzinha é pecado? Vai falar isso para um tal de Carlos...
RESENHA PUBLICADA ORIGINALMENTE EM MEU BLOGUITO:
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Bom… Se em 1500 Pedro Álvares Cabral “descobriu” o Brasil, em 2010 alguns portugueses estão descobrindo do nosso blog. Por isso, quero escrever mais sobre a riquíssima literatura portuguesa, juntar materiais legais aí pelas esquinas da Internet. Trazer nomes como Camões, Fernando Pessoa, Agustina Bessa-Luís, Mário de Sá-Carneiro, Eça de Queirós.
Falando em Eça, dia desses, numa postagem sobre Literatura erótica e pornográfica, citei três obras queirosianas que escandalizaram, no final do século XIX, a cidade de Lisboa e não somente ela, mas como todo o mundo. São elas: O crime do Padre Amaro (1875), O primo Basílio (1878) e Os Maias (1888). Eça uniu-as, formando uma trilogia que chamou de “Cenas da vida portuguesa”, na qual examinava a fundo a sociedade lisboeta do último quartel daquele século. Segundo ele, o que enlaçava as três narrativas era evidentemente a crítica, mas também os maiores pecados dessa cidade: o não cumprimento do celibato clerical, o adultério e o incesto, respectivamente.
Para fins didáticos, dividimos a obra queirosiana em três fases. Na primeira, temos Prosas Bárbaras, onde podemos constatar algumas características românticas, como predomínio de um sentimentalismo piegas. A segunda corresponde à trilogia mencionada, e a dissecação da sociedade dá o tom. Finalmente, num terceiro momento, o autor vai aliar-se à literatura que preconiza um estudo mais detalhado do homem, mais próximo do real. Os livros mais importantes dessa fase são A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras.
Mas hoje quero falar especificamente de Os Maias, a “obra-prima do romance naturalista universal”, nas palavras de Antonio Candido. Nele, Eça de Queirós, influenciado que estava pelas teorias positivistas e deterministas e ainda por Zola e Flaubert, propunha uma correção dos vícios da sociedade fazendo um retrato dela e demonstrando a ociosidade da aristocracia e a história da tragédia familiar dos Maias, que mesmo possuindo caracteres excepcionais, têm seus destinos determinados pelo meio social. Surge assim o romance de tese, em que uma idéia, o determinismo, seria comprovada pelo agir e interagir dos personagens.
O tema é realmente polêmico. Carlos Eduardo e Maria Eduarda são amantes. São amantes e são irmãos, embora a princípio não o soubessem. E a história nem é tão complicada assim. O jovem Pedro da Maia fora criado pelos pais dentro dos sagrados princípios católicos da moral e dos bons costumes. Melancólico, inseguro, ensimesmado, Pedro descobre o fogo das paixões ao conhecer a tempestuosa Maria Monforte, filha de um ex-traficante de escravos. Mas o velho Afonso, patriarca dos Maias, não abençoa o amor do filho pela negreira (apelido atribuído a Maria em virtude do antigo ofício do pai), pois ela não pertencia à mesma classe social que eles. Os apaixonados fogem, rompendo relações com Afonso, e têm um casal de filhos. Anos depois, Maria se apaixona por Tancredo, um príncipe italiano que o marido havia ferido numa caçada, e vai embora com ele, levando a menina. Humilhado, traído, abandonado, Pedro retorna com o menino à casa paterna e, como na parábola bíblica, é recebido por um Afonso de braços abertos. Mas a dor e a vergonha foram maiores: Pedro decide não mais viver e dá cabo da própria vida. Maria Eduarda é criada pela mãe. Carlos Eduardo é criado pelo avô, seguindo os moldes ingleses. O tempo passa e o destino lhes é implacável: põe os dois irmãos na mesma cama. Mal sabiam eles o que estava por acontecer.
Mas deixemos, provisoriamente, o incesto de lado. O livro não é somente isso. Como a moda na época era a valorização do ambiente, já que para os deterministas o homem era produto do meio, a casa dos Maias ganha destaque e é apresentada já no parágrafo inicial do livro, com o nome de Ramalhete, pois era hábito naqueles tempos batizar as edificações familiares. O narrador já avisa, na primeira página: sempre foram fatais aos Maias as paredes do Ramalhete.
As personagens secundárias são um caso à parte. João da Ega, melhor amigo de Carlos, é tido pelos críticos como um alter ego de Eça de Queirós. João da Ega, João do Ego, João do Eça, Ega de Queirós, Ego de Queirós, Eça de Queirós, paranomasticamente, paradoxalmente, a mesmíssima pessoa. João da Ega representa os intelectuais da época: de muitos ideais e de pouca ação. Eusebiozinho, filho de Eugênia Silveira, beata amiga da família, é um fraco que se opõe a Carlos, seu amiguinho de infância. Com ele, Eça critica a “educaçãozinha” portuguesa, agarrada à barra das saias da “mamã” e da “titi”. Craft representa a subserviência portuguesa ao colonialismo britânico. Todos eles tipos, personagens vazias de alma, sem personalidade definida.
Voltemos ao incesto. Foi o sexo presente no título desta postagem que trouxe você até aqui, leitor. E eu não te condeno, pois também clicaria no link. Quando Carlos conhece Maria Eduarda, ela estava amasiada com um homem e atendia pelo nome de madame Castro Gomes, mesmo não sendo casada de fato. E os dois irmãos se apaixonaram. E assim como a mãe, também Maria e também adúltera (determinismo hereditário? Certamente!), Eduarda abandona o lar e foge para junto de Carlos. Para eles, apenas um obstáculo era empecilho da felicidade completa. E ironicamente, o mesmo obstáculo que por primeiro impedira a felicidade de seus pais: a personalidade austera de Afonso. Mas quanto a isso, era só esperar que o velho morresse.
É aí que entra em cena outro velho, o jornalista Joaquim Guimarães. Ele entrega a João da Ega uma caixa de documentos, que Maria Monforte havia lhe confiado no passado. E assim, o melhor amigo de Carlos descobre a verdade e lhe faz a trágica revelação: os amantes eram irmãos.
Carlos sofre. E poderia viver neste sofrimento se fosse Os maias uma obra romântica. Mas já estávamos no Real/Naturalismo. E o bicho Carlos é mais forte. Seu corpo gritava pelo corpo do bicho Maria. E ele, consciente do que fazia, possui a irmã, talvez com um desejo mais ardente que o de antes. Um desejo animal, que não sabe de nada. Um desejo que apenas deseja:
Tocou no leito; e sentou-se muito à beira, numa fadiga que de repente o enleara, lhe tirava a força para continuar essas invenções d'águas e de feitores, como se elas fossem montanhas de ferro a mover.
O grande e belo corpo de Maria, embrulhado num roupão branco de seda, movia-se, espreguiçava-se languidamente sobre o leito brando.
— Achei-me tão cansada, depois de jantar, veio-me uma preguiça... Mas então partires assim de repente!... Que seca! Dá cá a mão!
Ele tenteava, procurando na brancura da roupa: encontrou um joelho a que percebia a forma e o calor suave, através da seda leve: e ali esqueceu a mão, aberta e frouxa, como morta, num entorpecimento onde toda a vontade e toda a consciência se lhe fundiam, deixando-lhe apenas a sensação daquela pele quente e macia onde a sua palma pousava. Um suspiro, um pequenino suspiro de criança, fugiu dos lábios de Maria, morreu na sombra. Carlos sentiu a quentura de desejo que vinha dela, que o entontecia, terrível como o bafo ardente de um abismo, escancarado na terra a seus pés. Ainda balbuciou: “não, não...” Mas ela estendeu os braços, envolveu-lhe o pescoço, puxando-o para si, num murmúrio que era como a continuação do suspiro, e em que o nome de querido sussurrava e tremia. Sem resistência, como um corpo morto que um sopro impele, ele caiu-lhe sobre o seio. Os seus lábios secos acharam-se colados num beijo aberto que os umedecia. E de repente, Carlos enlaçou-a furiosamente, esmagando-a e sugando-a, numa paixão e num desespero que fez tremer todo o leito.
E quanto ao fim? Eu sei, mas não te conto, mesmo acreditando que na Literatura o importante não é o que se diz, mas COMO se diz. Até a próxima postagem...
RESENHA PUBLICADA ORIGINALMENTE EM MEU BLOGUITO:
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