ludwig2 04/02/2023
Der Untergeher
"Untergehen" é um verbo alemão que significa afundar, cair, ir para baixo. O título do livro, Der Untergeher, é uma palavra criada pelo autor, um substantivo derivado desse verbo, que foi traduzido para "O Náufrago". Em inglês, foi traduzido como "The Loser". Assim, o "náufrago" também é um fracassado, alguém que só vai para baixo, que só decai, um loser.
O livro consiste no monólogo de um narrador não nomeado que está indo para a antiga casa de seu amigo Wertheimer, que recentemente cometeu suicídio, à procura de escritos e anotações que ele porventura tenha deixado.
O narrador foi colega de Wertheimer na universidade (a Academia de Viena e o Mozarteum, em Salzburgo), onde estudaram piano, rumo a uma carreira de "virtuose", ou seja, uma carreira de pianista profissional de renome internacional, que viaja e toca em vários lugares. No Mozarteum, eles conheceram Glenn Gould, um verdadeiro gênio do piano, e os três juntos eram um grupo de amigos. Juntos, fizeram um curso especial com o pianista Horowitz, em Salzburgo; esse curso foi breve, com duração de alguns meses, mas lá eles aprenderam mais do que em todos os anos anteriores de estudos. E, especialmente, o narrador e Wertheimer aprenderam que Glenn era muito melhor que eles no piano. Ele era um verdadeiro gênio, um verdadeiro virtuose, e o seu enorme talento fez com que seus dois amigos acabassem desistindo de seguir a carreira de pianista.
Wertheimer é descrito como o completo oposto de Glenn. Enquanto Glenn é um artista, um gênio da música, e alguém que sabe o que quer e como alcançar seus objetivos, Wertheimer é um "náufrago", um fracassado. Ele é extremamente rico graças à sua família, mas ao mesmo tempo extremamente infeliz; tem uma facilidade, uma tendência à infelicidade. E precisava sempre se comparar a alguém, imitar alguém. Assim, ter visto Glenn Gould simplesmente tocando dois ou três compassos bastou para que Wertheimer percebesse o seu talento, e para que fosse destruído, aniquilado por ele, pois nunca conseguiria ser tão bom quanto Glenn — é impossível competir com um gênio absoluto.
Ao longo do livro, o narrador ora fala de Glenn, ora fala de Wertheimer, ora fala de si. A narrativa vai intercalando memórias, episódios do passado dos três homens, com o presente que consiste no narrador indo em busca das anotações de Wertheimer.
A história faz pensar bastante sobre sucesso, inveja, trabalho artístico, e a maneira pela qual o narrador se expressa me lembrou bastante Memórias do Subsolo, de Dostoiévsky, principalmente quando se refere ao seu "processo de definhamento".
Para concluir essa resenha, deixo um trecho do livro:
"Mas para ser sincero, eu nunca poderia ter sido um virtuose do piano, porque no fundo jamais quis ser um, e sempre tive as maiores restrições a isso, tendo sempre e somente vilipendiado o virtuosismo em meu processo de definhamento, sempre achando o pianista um sujeito ridículo, desde o começo; seduzido por meu talento absolutamente extraordinário ao piano, eu me meti a ser pianista e, de repente, depois de uma década e meia de tortura, reneguei esse mesmo talento, sem qualquer escrúpulo. Não faz parte da minha natureza sacrificar minha vida ao sentimentalismo. Desatei a rir e mandei levar meu piano para a casa do professor, divertindo-me durante dias com minhas próprias gargalhadas por causa desse transporte; essa é que é a verdade: diverti-me com a destruição num único instante de minha carreira de virtuose. E essa destruição súbita de minha carreira de virtuose provavelmente constituiu um estágio importante do meu processo de definhamento, pensei ao entrar na pousada. Nós experimentamos de tudo e nunca vamos até o fim; de repente, jogamos décadas na lata de lixo."