Fernanda631 18/11/2022
Daqui Pra Baixo
Daqui pra Baixo foi escrito por Jason Reynolds e sendo publicado em 24 de outubro de 2017, é um livro diferente de qualquer coisa que vocês já leram. Primeiro, e mais importante, porque ele é escrito em forma de versos. Os versos se encadeiam contando uma história que se passa em um elevador, do sétimo andar ao térreo.
William Holloman, ou Will para os amigos, mora com a mãe e o irmão mai velho, Shawn. No bairro onde Will mora a violência é uma constante. Todos sabem como agir quando são testemunhas de algum crime. Todos conhecem as três regras para sobreviver nessa região. Em Daqui para baixo, vamos acompanhar a jornada de Will ao tentar obedecer as regras.
Regra número 1: não chorar
O irmão de Will, Shawn, é morto e ele sabe quem é o culpado. Mas chorar é proibido, ele deve seguir as regras e lidar com a dor e a tristeza de outro jeito.
Regra número 2: nunca dedurar alguém
O relacionamento dos moradores daquele bairro periférico com a polícia fica claro com essa regra. Um bairro pobre, com maioria negra, não é uma população que confia nas leis para trazer justiça para o seus. A violência, afinal, é algo presente no cotidiano dessas pessoas. Portanto, Will não tem nenhum interesse em denunciar o culpado. Ele pretende cumprir a risca a terceira, e última, regra.
Regra número 3: é preciso se vingar
Se alguém faz algo contra você ou pessoas próximas, deve haver vingança. E é esse o plano de Will, quando se levanta no dia seguinte a morte de seu irmão. Assim, com a arma que pertencia a Shawn, ele sai de casa e pega o elevador.
É nesse instante, enquanto está dentro do elevador descendo até o térreo, que a maior parte da narrativa se passa. No espaço de um minuto para descer 9 andares que Jason Reynolds nos mostra, através de versos, o que se passa na cabeça de Will.
A curta trajetória do elevador é ritmada pelas paradas em cada andar e por aqueles que aos poucos ocupam a cabine e os pensamentos de Will. Cada rosto tem uma história de vida e de morte. Will, em questão de segundos, vai definir a dele.
Um jovem de 15 anos que viu seu irmão ser morto e esta ciente das regras do lugar, que incluem a vingança, ele decide ir atrás do assassino de seu irmão. Então, ao entrar no elevador de seu prédio, começa a refletir sobre sua escolha, e será ai que o livro será desenvolvido nessa viagem de dois minutos, do andar em que ele mora até o térreo.
A narrativa sendo escrita em versos torna a leitura uma experiência ainda mais incrível. É uma leitura rápida, as páginas voam quase na velocidade com a qual desce o elevador. Além disso, essa forma de escrita consegue nos passar os sentimentos de Will de maneira singular.
O luto pela perda do irmão, o medo pelo o que está indo fazer, a confusão de um jovem que não sabe se tomou a decisão certa, a urgência de não ser visto. Tudo isso nos é passado em poucas palavras, com uma estrutura narrativa que prende muito o leitor. E ainda mais com uma ambientação claustrofóbica que potencializa cada sentimento.
Como Daqui Pra Baixo é uma poesia em linguagem simples, lê-lo é muito rápido e fácil. Inclusive, fiquei encantada pela habilidade de Jason Reynolds em envolver o leitor, especialmente por construir com maestria todo o cenário da narrativa, bem como as relações entre os personagens, em uma linguagem tão concisa. E, justamente por essa concisão, a potência das palavras é intensificada ao máximo, fazendo com que a história — forte por si só — se torne ainda mais impactante.
Peguei o livro para ler e surpreendentemente o terminei em três horas.
Apesar do livro ser considerado Young Adult, a temática nele abordada não se resume a essa faixa etária. Ao contrário, arrisco dizer que, de jovem, ela não tem nada, a não ser que se pense nos tantos jovens obrigados a amadurecer precocemente, como é o caso do protagonista aqui.
Daqui Pra Baixo trata da desigualdade sócio-racial e reflete uma realidade injusta, ainda que represente a de muitos, na qual a violência muitas vezes se faz meio de sobrevivência. E se o que a obra reproduz é denúncia, ela como um todo é esperança, é grito de quem viveu uma realidade semelhante para quem ainda vive, dizendo “é possível”. Jason Reynolds transformou resistência em arte e fez dessa arte uma luta.
Finalizei Daqui Pra Baixo sem fôlego e com o peito apertado, como se tivesse levado diversos golpes no decorrer das páginas. A escrita de Jason Reynolds é gigante, não só por sua poesia, mas por aquilo que ela se dispõe a tratar. Vale dizer que o final ligeiramente aberto me levou a fazer diferentes interpretações da leitura, o que torna a obra ainda mais literária.
Através de um histórico familiar, que pode ser o de qualquer pessoa, acompanhamos um garoto amadurecendo dentro de um elevador. O Will que vai sair pela porta do térreo é completamente diferente de tudo o que ele foi ou pensou ser. Há uma mensagem no fim e acho que ela permite várias interpretações. Na física da vida, fatalmente, toda ação gera uma reação e todo ato vai ter uma consequência. Às vezes em efeito dominó que nunca tem fim.
Daqui pra baixo segue real, visceral, irrefreável como a vida rápido tal qual a viagem daqui pra baixo até o Térreo onde não existem saídas apenas caminhos a serem escolhidos.
Alguns dos temas tradados são: violência, racismo, falta de infraestrutura urbana e de assistência do poder público e como tudo isso gera um ciclo de agressividade do qual é difícil sair, dentro da comunidade.
Daqui pra baixo é um livro poderoso que passa uma mensagem importante. E que exemplifica pra gente que as estruturas racistas agem de forma semelhante tanto nos Estados Unidos como no Brasil. É uma leitura intensa, tensa e tocante.