Márcia 03/07/2022
A delicadeza de Evaristo
Como assim eu ainda não tinha lido Conceição Evaristo? Imperdoável! Paguei a dívida para com essa escritora incrível, que usa o termo ?escrevivência? para definir sua escrita que é vida, que traz para seu texto as vozes de seu povo, tão prenhe de reconhecimento e lugar social igualitário. De uma sentada, praticamente, li esses três livros. O primeiro foi ?Becos da Memória?, uma narrativa que nasceu ainda nos anos 1987/88, mas que levou 20 anos para ser publicada. Foi o primeiro a relatar sua escrevivência e o de que mais gostei; uma narrativa de sua origem numa favela, contando histórias dela e dos seus; uma história emocionante e dura de ler, que escancara a desigualdade social gritante do Brasil. Me lembrou muito ?Quarto de despejo?, de Carolina Maria de Jesus?. Os dois próximos foram ?Olhos D?água? e ?Insubmissas lágrimas de mulheres?, coletâneas de contos. O primeiro, um clássico da autora, também duro de ler; histórias de mulheres pretas, de mulheres que sangram, de vidas costuradas com ?fios de ferro?. O segundo vai nessa mesma linha. Conceição Evaristo saiu em busca de histórias de mulheres, histórias doídas, que te fazem fechar o livro entre uma e outra para engolir em seco, que te faz sentir aquele amargo ao se colocar no lugar dessas mulheres. Como diz a própria autora ?Da voz outra, faço a minha, as histórias também?. Ou: ?Ao registrar estas histórias, continuo no premeditado ato de traçar uma escrevivência?.
Escrever: é o que também quero fazer em breve, quando a minha vida for só minha. Quantas ideias tenho, arrisco a ver um certo talento, mas escrever demanda tempo, pesquisa, o tempo que a institucionalização do meu trabalho me tira. Escolhi, nesse momento, doar esse meu tempo ao outro, aos meus alunos, pra fazê-los crescer e se tornarem ?Conceições Evaristo".