Steph.Mostav 25/07/2020O nosso Dom QuixoteTriste fim não foi só o de Policarpo Quaresma, como também de Lima Barreto, que não chegou a ver o sucesso e o impacto que suas produções tiveram sobre a literatura nacional. Saber da história de vida de Barreto torna a história e o destino de Policarpo ainda mais tristes, assim como intensifica o sentido de suas mensagens e de suas críticas. E quantas críticas! O livro é recheado delas, muitas delas de uma ironia ácida que se assemelha à tradição machadiana, outras de um pessimismo angustiante. Contra a hipocrisia e a tirania do exército, contra o governo de Floriano Peixoto, assim como o histórico de governos que nunca se preocuparam em servir à população, contra a pressão da sociedade para que as moças fizessem do casamento uma meta de vida, contra o materialismo, o utilitarismo e a obsessão pelos interesses pessoais e pelo "progresso" que destrói as vidas oprimidas que não estão de acordo com seu sistema, contra a mediocridade de quem condena o idealismo e a mudança, mas também contra o próprio idealismo sem futuro. E tantas críticas poderiam arrastar-se sem nenhuma coesão pelo texto, mas todas são muito bem amarradas ao enredo do protagonista e às poucas tramas paralelas ao seu redor. Isso muito se deve à estrutura do livro em três partes, de acordo com o fracasso de Policarpo em três fases. Essa divisão também permitiu que o livro gradativamente passasse da comédia para o drama sem mudanças bruscas que fariam do humor menos engraçado ou da tragédia menos terrível. Este é um livro engraçado, assim como é um livro cheio de infelicidade. Apesar das críticas que sofreu na época, Barreto escreve muito bem e muitas de suas descrições emocionam de tão bem escritas, principalmente porque se nota o amor que ele sente pela cidade do Rio, por suas paisagens e marcos. Os arcos dos personagens são conduzidos todos de maneira satisfatória e o final é deprimente, mas gratificante porque faz total sentido com o título, com a trajetória deles e com o papel de cada um. Muito interessante é o paralelo entre Ismênia, que enlouquece por ter moldado a si mesma ao redor do casamento e não ter qualquer alicerce psicológico para resistir quando esse casamento não deu certo; e Olga, que se casa com a noção de que não era essa união que faria dela feliz e sempre busca manter sua individualidade e desejos próprios. E também Policarpo, um dos nossos melhores personagens, o Dom Quixote nacional. Todo o seu patriotismo ingênuo, honesto e benevolente é reprimido pela realidade, através de humilhação, fracasso e denúncia. Acompanhamos esse pobre homem se desiludir cada vez mais a cada parte, deixar de ter esperança de que suas iniciativas chegariam a um resultado, chegar até mesmo a arrepender-se do tempo e da juventude perdida em busca de uma vida melhor para a nação, questionar-se do conceito de nação e da existência de boas intenções naquele país de falsos salvadores da pátria. No fundo, a impressão que fica é de que Policarpo era bom demais para nosso mundo e é a realidade que está errada, porque condena um bom homem que defende a justiça e a solidariedade.
"E era assim que se fazia a vida, a história e o heroísmo: com violência sobre os outros, com opressões e sofrimentos."