Gramatura Alta 18/07/2015
Espetacular
Mesmo com os recentes filmes da Marvel e DC, que popularizaram ainda mais heróis como Batman, Superman, Capitão América, Homem de Ferro, Hulk, Thor, Homem-Aranha, entre outros, os gibis ainda são considerados uma leitura voltada para crianças ou adolescentes. E isso era verdade, antes de 1986. Antes desse ano, praticamente todos os quadrinhos de heróis possuíam histórias onde os heróis eram 100% bons, e os vilões, 100% maus. Os enredos eram ingênuos, sem atrativo, e as ações dos personagens sem muitas surpresas. Os leitores não eram mais velhos do que 16 anos e, na sua maioria, eram garotos. Com exceção de alguns lançamentos europeus e outros lançamentos alternativos americanos, de tiragem limitadíssima, bem como seu público, não havia nada de novo no mercado. Então, nesse ano de 1986, Frank Miller apresenta algo que muda drasticamente todo um mercado editorial.
O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller não é apenas um divisor de águas. Ele não mudou apenas a forma de se contar uma história de super-heróis. Ele fez com que todos os personagens de quadrinhos fossem reconstruídos com base em uma premissa cinza. Ou seja, agora não existiam apenas os bons e os maus. Os heróis passaram a ser mais humanos e a realizar ações que podiam ser questionáveis, e os vilões passaram a ter um passado que poderia justificar sua revolta ou demência. As histórias passaram a refletir esses comportamentos, por isso ficaram mais sérias, mais imprevisíveis, mais dramáticas. Ganhou-se a preocupação em contar histórias que envolvessem o público pelo questionamento da direção que ela tomava. E o público, aos poucos, subiu de idade.
Hoje, pessoas de 35 anos, ou mais, leem quadrinhos e sentem a mesma intensidade de emoções que é possível sentir ao ler um bom livro ou assistir a um bom filme. Isso se deve a Frank Miller e seu Cavaleiro das Trevas, porque foi essa min-série, originalmente dividida em quatro partes, que possibilitou o surgimento de tudo o que se seguiu.
Então, como explicar numa resenha curta o que exatamente existe de diferente em Cavaleiro das Trevas? Não há como fazer isso. Você precisa ler. E ver em cada um dos quadrinhos, que não se desatualizaram com o tempo, o brilhantismo de cada desenho, de cada diálogo e de como toda a história converge desde o início, de forma sútil, para o confronto entre os dois maiores ícones da DC: Batman e Superman. E o leitor percebe isso, mas sente o coração bater mais forte por pensar que isso é impossível. E era, antes de 1986.
Frank Miller introduziu pela primeira vez a influência que a mídia tem sobre o público e sobre algumas decisões políticas. Ele apresentou pela primeira vez um Coringa psicopata, demente, sem limites na sua loucura. Ele apresentou pela primeira vez um relacionamento amoroso entre Batman e a Mulher-Gato. Ele deu a ideia de matar o segundo Robin. Ele apresentou a nova personalidade rebelde do Arqueiro-Verde e do Asa Noturna. Ele mostrou o poder do governo dos Estados Unidos sobre os heróis e o uso destes para missões em outros países. Ele mostrou o crescimento de gangues em bairros de grandes cidades. Ele criou o desgosto que os policiais de Gotham sentem pela interferência de Batman. Ele inovou ao apresentar o novo Robin como uma menina. Ele tornou o Batman um personagem imperfeito, que pode perder uma luta, que pode usar de trapaças para vencer, que pode morrer e que pode matar. Ele mudou até a personalidade do Alfred e de como ele interage com Bruce Wayne.
O brilhantismo de Miller não está apenas no enredo, nos desenhos ou na nova visão de cada personagem, mas também na sequência de cada ação. O que vemos nos quadrinhos bate a maioria de filmes de ação que existiam na época e que existem hoje. Várias sequências dos três filmes de Nolan foram retiradas das páginas de O Cavaleiro das Trevas. A cena da morte dos pais de Bruce, repetida em todos os filmes do Batman, são deste gibi.
O Cavaleiro das Trevas teve um impacto tão forte, que o próprio Miller nunca mais conseguiu criar nada que chegasse perto de sua obra. Ele lançou anos mais tarde uma continuação para a história, mas ela rechaçada pela crítica e pelo público.
Para quem não é fã de quadrinhos, é difícil entender e identificar a influência que Cavaleiro das Trevas teve. Mas se você gosta de uma história tensa, cheia de detalhes, que cria uma atmosfera de suspense crescente dentro de uma trama extremamente bem construída, e estrelada por personagens críveis, marcantes, cujas ações são imprevisíveis e rodeadas de dualidade moral, não deixe de ler uma das melhores e mais cultuadas obras já feitas.
E isso sem qualquer exagero!
site: http://conjuntodaobra.blogspot.com.br/2015/06/batman-o-cavaleiro-das-trevas-frank.html