Sacripanta 05/11/2017
Mega recomendado!
Recomendo, fervorosamente, Batman: o Cavaleiro das Trevas, com roteiro de Frank Miller. Eu sei que se trata de uma HQ bastante famosa e que todos já devem ter ouvido falar, mas às vezes tudo o que precisamos é de um empurrão para iniciar uma leitura, ou dar chance a um livro que vira e mexe aparece em promoção e que tem várias e várias tiragens. Se essa resenha for para você esse empurrão, ela terá completado sua missão.
Quando ainda jovem, um amigo de meus pais me emprestou um gibi, que eu prontamente li e adorei. Pensei nele por anos, e até relê-lo, uns quinze anos depois, ainda me lembrava de muitos trechos. A memória realmente é um troço imprevisível e impressionante. A minha relação com as HQs tinha tudo para ser completamente diferente, tendo eu descoberto ainda cedo seu pote de ouro no final do arco-íris cinzento e perverso dos gibis quinzenais. A resposta estava ali, em minhas mãos. Por que, então, eu só fui redescobrir essas séries maravilhosas anos depois, com Sandman, do Neil Gaiman?
Da mesma maneira como você vai descobrir em O Cavaleiro das Trevas, a verdade é que o Super Homem é um tremendo pé no saco. Animado com esse livro do Homem Morcego, coloquei minhas patas juvenis em outro sucesso arrebatador da época, A Morte do Superman. É essa série, e nenhuma outra, a responsável por eu ter ficado anos sem encostar em uma HQ.
O Batman me mostrou de relance as portas do paraíso, mas logo depois o Super Homem mostrou que aquilo tudo era uma ilusão e que a baboseira das HQs quinzenais tinha contaminado até mesmo esse paraíso. O livro é recheado de clichês e pseudo dramas, e pareceu chato e caça níqueis até mesmo para um adolescente que mal sabia das coisas boas e ruins da vida.
Me voltei para a prosa, então, e me esbaldei com Tolkien, Bernard Cornwell e, a bem da verdade, qualquer livro de fantasia (menos ficção científica, que ainda demoraria um tempo até eu ler) em que pudesse colocar as mãos, de Harry Potter a Brumas de Avalon, negligenciando os super heróis.
Voltando ao livro do Batman, que tive o prazer de reler este ano: o livro abarca tudo que se pode esperar de uma história adulta: trama densa, boas questões, crítica social, debate sobre o papel do herói na sociedade. O livro nos mostra um Bruce Wayne (SPOILER: esse é o nome do Batman) já velho e aposentado, lidando com questões próprias da velhice e se deparando com a angústia do legado, ante a proximidade com a morte e a decrepitude física.
A batalha de décadas do Homem Morcego contra o crime foi a batalha de um homem só, e o que acontece quando esse homem se for? Como lidar com tudo recaindo nos mesmos erros de antes, mas sem uma figura para se colocar como baluarte de esperança frente a um cenário de corrupção e crime generalizados? Terá ele combatido os inimigos certos? E seus amigos, que caminhos escolheram? Como se colocam a mídia e as instituições nesse contexto, e qual o papel delas, afinal?
Nosso bom e velho Morcegão luta contra tudo e contra todos nesse livro, tentando, ainda, corrigir os erros que no passado o impediram de ter êxito em sua empreitada de luta contra o crime. A edição conta com o enredo original, The Dark Knight Returns, de 1986, e sua continuação, de 2001, The Dark Knight Strikes Again. A trama da sequência está bem amarrada com a primeira, mas acaba escorregando numa série de conflitos em escala mega, com super vilões alienígenas brotando, sendo tudo concluído sem o cuidado que a edição original contém.
É uma pena que a sequência não consiga manter o passo com a original. O Cavaleiro das Trevas funda as bases para uma abordagem adulta e relativamente low profile das encrencas heroicas, o que implica numa maior proximidade do leitor com as questões abordadas, conferindo aspectos bastante verídicos à fantasia. Na continuação da obra, porém, vemos uma escalada nos acontecimentos que transcende esse caráter mundano das ações, nos levando numa espiral de super intrigas e super poderes que leva o enredo à estratosfera, muito longe das possibilidades do entendimento de um cidadão comum -característica marcante da primeira série.
A sequência, porém, é boa, e só sofre em comparação com a edição original. Mas é triste vê-la se impregnando com a mácula do "épico" das histórias em quadrinhos: muita pirotecnia, um vilão incomensuravelmente poderoso e uma sequência de acontecimentos freneticamente superpostos e que roubam a potencialidade do drama da narrativa. De qualquer forma, não deixa de ser uma continuação interessante e que vale a leitura.
Li que já existe uma terceira continuação ao livro, e já pelo resumo descartei sua leitura. Ela se apoia apenas nos desdobramentos do livro de 2001, parecendo não herdar nada das questões fundamentais da primeira e segunda séries.
[adaptado de um artigo-resenha publicado em A Cidadela]
site: http://www.acidadela.com.br/2017/02/leitura-batman-o-cavaleiro-das-trevas.html