Larissa.Carvalho 14/06/2020
Um livro que ecoa muitos outros
Curto e com uma escrita extremamente fluida, A Ilha do Dr. Moreau é um livro que pode ser devorado em poucas horas, mas que esconde muitas qualidades atrás de sua aparência despretensiosa.
O livro é, basicamente, uma narrativa em primeira pessoa de Prendick, que após ver o navio em que estava naufragar, acabou sendo salvo (duas vezes) por um homem que o conduziu a uma ilha macabra.
Embora o começo engane, por seu clima típico de romances de aventura, não demora muito para que o lado sombrio da história comece a surgir e a predominar nas páginas, aos poucos "escurecendo" a atmosfera, e dando o ar necessário a uma ficção científica desse peso.
A escrita em primeira pessoa nos permite compartilhar os sentimentos com o protagonista, que adiciona suas próprias impressões à narrativa. A estupefação e incredulidade de Prendick diante do que aos poucos descobre também cumpre o papel de nos lembrar constantemente do absurdo da história, que as vezes, por estarmos acostumados a ler esse tipo de obra, esquecemos. Também por ser um relato pessoal, o livro não se estende em grandes explicações científicas sobre o que é retratado, nem se propõe a contar além do que é necessário. Ainda assim, acredito que H. G. Wells tenha dito tudo que era necessário.
Ao ler esse livro, é impossível não lembrar de muitos outros. Em passagens diferentes, há ecos de Planeta dos Macacos, A Revolução dos Bichos, O Senhor das Moscas e os contos de robô de Asimov. Talvez porque a pergunta que me pareceu central a esse romance seja também a mesma que move a tantos outros: a final, o que diferencia os humanos de todos os outros seres vivos? O que temos de tão especial?
A existência das Leis, que apesar de severamente fiscalizadas e punidas são constantemente transgredidas, ressoa também a vida real. Podemos pensar em Deus, no Estado ou na sociedade, mas independentemente disso, o fato é que H. G. Wells se mostra um tanto Hobbesiano, ao assumir que a animalidade - aqui empregada com um juízo de valor negativo - sempre irá sobrepujar a civilidade.
De certa forma, esse romance é também um retrato de sua época. O final do século XIX era um período no qual a teoria da evolução encontrava-se difundida nos circuitos de ciência amadora, mas no qual ainda não sabia-se o que causava a "conversão" entre espécies. Enquanto mecanismos como transmutacionismo e a lei dos caracteres adquiridos eram muito populares, muito se questionava sobre a plasticidade dos seres vivos. A perda do status divino do ser humano, que acompanhou a aceitação da teoria da descendência comum universal de Darwin, torna também compreensíveis e oportunos os questionamentos de H. G. Wells.
Assim, não consigo deixar de ver A Ilha do Dr. Moreau como uma intersecção entre várias narrativas de sucesso, uma rodovia principal pela qual diversas ficções científicas acabam passando no caminho ao seu destino final. Um livro que, embora transborde coerência histórica, traz questões atemporais, e assim, merece ser lembrado e lido por séculos a fio.