Coruja 20/01/2022Publicado originalmente em 1928,
O Mistério do Trem Azul é uma expansão do conto de 1923
O Expresso de Plymouth (que pode ser encontrado na coletânea
Os Primeiros Casos de Poirot). A trama trata do assassinato de uma rica herdeira americana e do desaparecimento de suas jóias - especificamente, o famoso colar de rubi “Coração de Fogo”. Para azar do vilão, Hercule Poirot viajava no mesmo trem em que o crime foi cometido e, embora esteja aposentado, não se furta a entrar na investigação.
Foi minha primeira vez lendo este título, que escolhi para o projeto por se encaixar também no tema do mês para o desafio Read Christie 2022: ‘inspirado pelas viagens da Agatha’. O trem azul liga Londres a Riviera francesa, um trajeto com que a autora era bastante familiar. Seja como for, desta feita, não desconfiei nem por um momento do assassino, embora, quando Poirot dá suas explicações ao final, tudo faça muito sentido.
Tive dificuldade em me conectar com o início do livro. Muitos personagens entram e saem de cena e as trocas de ponto de vista chegam a ser desorientadoras. Há situações bizarras, coincidências e personagens pouco convincentes (e pouco simpáticos também). Mesmo Poirot, com sua insistência em afirmar-se o melhor detetive do mundo parece em momentos pedante e caricatural. As coisas se aceleram quando embarcamos no trem e o crime é cometido - a partir do momento em que começamos a tentar montar o quebra-cabeças de álibis e motivações, o enredo se torna muito mais envolvente.
Não tendo lido o conto de que ele procede, não posso afirmar com completa certeza, mas desconfio que o enredo de fato funcionaria melhor numa história curta, mais enxuta em personagens e cenas que parecem estar ali apenas para encher linguiça. É um bom mistério, com um crime bem planejado em seu centro, mas é repleto de penduricalhos desnecessários e o final da jóia, em específico, não me convenceu (em especial a falta de reação de Van Aldin, mesmo com a morte da filha pelo meio).
Fato curioso é que Christie detestava
O Mistério do Trem Azul, tendo afirmado em entrevistas e em sua autobiografia que era o pior livro que escrevera. Discordo dessa opinião: mesmo não estando em sua melhor forma, ela constrói um enigma competente aqui. O problema, na verdade, não era a trama, mas as circunstâncias em que o livro foi escrito, sendo uma pista disso a própria dedicatória nele, numa referência a “Ordem dos Cães Fiéis”.
A mãe da autora morrera recentemente e, enquanto lidava com as questões do espólio, o marido pediu o divórcio, revelando que estava tendo um caso. No dia seguinte à confissão de Archibald, Christie desapareceu misteriosamente, dias depois sendo reencontrada num hotel, com um nome falso e supostamente sofrendo de um lapso de memória. O sumiço de Christie entre 4 e 19 de dezembro de 1926 nunca foi completamente esclarecido. Ainda hoje se discute se o escândalo foi um golpe de publicidade, uma tentativa de se vingar do marido ou se ela realmente teve algum tipo de colapso nervoso.
Seja como for, para lidar com o estresse do evento, ela embarcou em fevereiro de 1927 para as Ilhas Canárias, onde terminou de escrever
O Mistério do Trem Azul sob certa pressão financeira. Sob tais circunstâncias, não é de se surpreender que ela desgostasse do livro, associando-o a uma época de infelicidade.
Enfim, embora faça algumas ressalvas,
O Mistério do Trem Azul funcionou pra mim, conseguindo me surpreender com sua solução e como todos os fatos se encaixavam no final. Pode não ser o melhor, mas também não nega o talento da nossa eterna Rainha do Crime.
site:
https://owlsroof.blogspot.com/2022/01/projeto-agatha-christie-o-misterio-do.html