Pedro.Goncalves 06/05/2023
A Sociedade é Desigual em seu Pressuposto?
Um dia, ao andar de ônibus, deparei-me com uma cena que de quotidiana ao extremo até me é natural: mil pessoas se expremendo no transporte público, eu entre elas, e um jovem como eu, em carro do ano. Se essa realidade é nos tão comum é porque a desigualdade social fática engendrou-se na sociedade. Entretanto, o mundo é assim desde sempre? Se não sempre foi assim, qual a origem da desigualdade entre os homens? Movido por essa pergunta li essa obra de Rousseau que muito me agradou.
A princípio, o autor distingue uma condição fundamental aos contratualistas, e por sê-lo não faz diferente, isso é o Estado de Natureza em oposição ao Estado Cívil. Essa distinção- pautada na divisão entre direito natural e positivo, visa à compreensão do homem em seu estado puro, atingindo-lhe aquelo considerado por sua essência, antes que essa pudesse ser alterada pela sociedade. Haja vista que mudamos a sociedade na medida em que também somos mudados por ela. Nesse sentido, a definição de um estado natural do homem serve ao propósito de conhecê-lo para que se entenda a sociedade, sem que confunda-se um com o outro. Para esse fim, o autor retornando à máxima do Oráculo de Delfos e dedica a primeira parte de sua redação na definição do homem natural. A partir desse raciocínio, Rousseau em uma linha de conjecturas e hipóteses enxerga o homem em seu estado de natureza como um ser puro destituído de vícios ou virtudes por não os conhecer. Em seu Estado primitivo o ser humano aspira à manutenção de sua vida pelo amor-próprio, ao mesmo tempo que se compadesse de seu semelhante se vir-o em dor. Nesse viés, esse homem pré-civilização é em sua essência quase um animal não busca danar seu semelhante na medida que saceia seus anseios na natureza e vive alheio a quaisquer preocupações. Todavia, o autor muito bem define aquilo que diferencia o ser humano do animal, isto é, a capacidade de escolher dando-lhe o meio de sair do Estado Natural. Dessa forma, definindo o homem natural em toda sua pureza e liberdade pode-se notar que a desigualdade pouco aparece, se aparece, no estado de natureza. Ou seja, a desigualdade não é um princípio natural do homem.
No que tange ao homem natural do Rousseau, vejo-o similarmente ao homem pré-histórico, preso as circunstâncias naturais no período na pedra lascada e pólida. Entretando, o autor acaba por perder-se em seu raciocínio ao, a partir de um juízo de valor, pensar o homem natural com estima; uma vez que tal qual fez Aristóteles ao definir a suposta origem da sociedade na família, princípio social e ,portanto, incompreensível ao homem natural- argumento e exemplo de Rousseou para opor-se a Aristóteles. Nessa perspectiva, o autor baseia-se em juízos morais para enxergar seu "selvagem" como bom. Ou seja, utiliza um princípio posterior ao Estado Natural- a ideia de bom e mal- para definir homen pré-sociedade entrando, assim, em um contradição.
Posteriormente, a obra em sua segunda parte debruça-se sobre o conceito de propriedade e como esta é a origem da desigualdade. Vale ressaltar, que ao descrever o processo que conduziu o homem a cercar um campo e defini-lo seu, o autor demonstra como a propriedade é intríseca ao contrato social e, logo, a sociedade. Assim, a desigualdade é um pressuposto da vida civilizada, tendo em vista que surgem conectadas à medida que esta expande-se, nascendo então a necessidade de se definir as posses de cada um, aquela aparece subsequentimente. Desse modo, ainda que não natural ao homem a desigualdade é natural ao conceito de sociedade segundo o autor.
Ademais, em uma série de argumentos Rosseau evidencia que a origem dos vícios humanos encontram-se no ideal de posse e ele vai além, elaborando como a partir da vontade de se possuir o homem, agora em sociedade, abre mão de sua liberdade para tiranos e passa a obedecer a outro, dando origem a hierarquia.
Quanto a minha percepção da parte final do livro, tenho para mim que a propriedade é de fato a origem da desigualdade social; entretando, penso que aquela não é instríseca à civilização, apenas ao modo de sociedade ocidental, por falta de um termo melhor. Haja vista que é possível se viver em sociedade sem que a propriedade seja considerada um direito legítimo, como ocorre, por exemplo, em alguns sistemas tribais. Outrossim, creio que Rosseau é demasiadamente ingênuo ao valorar o Estado de Natureza e condenar a vida em sociedade, pois ambos possuem seus aspectos positivos e negativos. Contudo, nenhum deles é essencialmente bom ou mal.
Portanto, por fim conclui a leitura da obra na convição que escoli um bom livro para pensar sobre a temática, bem como recomendo a leitura àqueles que possuem dentro de si a vontade de entender o porquê uns andam em ônibus lotados outros em carros com ar condicionado.